Energia Elétrica, ou a falta dela

Tão subitamente quanto o início deste texto ou quanto a chuva que simplesmente chegou, forte e impetuosa, a energia elétrica foi-se. Sim, ela se foi, talvez para ares mais quentes ou mesmo lugares mais antigos, talvez mais civilizados, no fim, não importa, a única coisa que vale é que ela se foi. Não se despediu, não anunciou que ia, primeiro ela estava lá, pertinho, ao meu alcance e de todos, então ela não estava mais.

Confesso que num primeiro momento fiquei apreensivo. Em seguida, veio o pensamento ‘ah, ela volta’. Não voltou. Nos segundos seguintes todos os filmes de apocalipse que assisti vieram à tona na minha mente. Parei, respirei fundo e pensei. ‘Velas!’ Tropecei então para a cozinha, à procura de velas. Demorei um pouco, mas achei. Cadê os fósforos? Me lembro daquele outro dia, mais ensolarado, em que usei vários fósforos para acender a churrasqueira, e lá vou eu, tropeçando e chutando tudo a minha frente. De repente minha casa pareceu tão desproporcional, corredores que antes eram largos agora pareciam estreitos, os objetos tomavam tamanhos inesperados, e o coitado do meu dedinho só reclamava. Sim, eu estava descalço, afinal, quem espera que a eletricidade vá fugir assim, do nada?

Achei os fósforos, acendi as velas, posicionei algumas em lugares estratégicos, guardei muitas, caso a energia tivesse ido embora para sempre. Eu ainda pensava que aquilo era um apocalipse. Estava tarde, o relógio da cozinha marcava 21h, não era à toa que meu estômago murmurava insatisfeito. Fui preparar o jantar.

É nesses momentos que percebemos nossa dependência das coisas. Micro-ondas? Elétrico. Fogão? Lá vamos nós atrás do fósforo. Começo a me preocupar com meu estoque baixo, logo terei que pensar em novos meios de fazer fogo. Boto água para esquentar, pego minhas sobras da geladeira, monto um prato e coloco em cima da panela com água quente. Que método ineficiente, aquilo me dá nos nervos, até esquentar vai um tempinho, então começo a prestar atenção nos barulhos de fora. Nada. Olho pela janela, não tem luz, não tem som, nem carro na rua, nem vizinho gritando, nada. Parece que a eletricidade foi embora e levou uma galera com ela. A escuridão envolveu tudo e não existe nada no mundo. Fico apreensivo. Olho para dentro de novo. Começo a reparar na minha casa, sombras aparecem a todo momento, me assustando, meu coração retumba em meu peito. Um som estranho ecoa! É a panela evaporando a água! Vinte minutos se passaram, a comida esquentou, pego o prato, queimo a mão, solto o prato, com um pano levo minha janta para a mesa.

A comida não me desce bem, começo a escutar muitos barulhos, vejo muitas sombras, minha imaginação fervilha e dá vidas a tudo! As velas não ajudam, essa meia luz alaranjada só piora meus nervos, mal enxergo e, quando parece que vou focar em algo, a chama da luz dança e ofusca minha visão. Pum pum pum. Salto da cadeira. Pum pum pum. Vem do andar de cima! Pum pum… Pum Tá! Risos… Espera, risos?! Começo a tentar entender o que está acontecendo. Parece que meus vizinhos estão jogando alguma coisa. Minha descrença é óbvia, quem em sã consciência pensa em jogar algo em um momento como esse?

Corro até a janela da sala. Olhando para fora, vejo luzes de velas, como as minhas, pego meu pequeno binóculo na gaveta da mesinha de centro, e espiando vejo vida! Parece que a eletricidade foi embora, mas deixou as pessoas, afinal de contas, trouxe de volta algo escondido há muito tempo.

Bisbilhotando, vejo um casal fazendo um jantar à luz de velas, parece miojo, mas a jovem se diverte como nunca com as caretas que o seu amante faz por sobre a luz fantasmagórica. Em outro canto, uma família janta junto, sem fones, sem celulares e sem internet, um papo animado vai fluindo e todos estão envolvidos. Outra janela, marido e mulher, sentados em frente à TV, com as cabeças bem coladinhas, um cochichando no ouvido do outro. Mais uma janela, uma mãe consola seu filho que tem medo de escuro. Mais uma janela, um pai conta uma história para seus filhos gêmeos, parece uma história encantadora, já que seus pequenos não desgrudam o olho dele, nem mesmo quando a mãe entra no quarto com leite quente que veio do fogão. Me lembra de como meu avô me contava histórias.

E assim continuo vendo, são tantos casos, tantas coisas acontecendo. Parece que a eletricidade se foi pois cansou de ver tanta gente junta e separada no mesmo lugar. Talvez ela tenha se sentido triste, quem sabe?! Meu coração se acalma, meus nervos relaxam, as sombras nada mais são que as projeções das coisas pela luz da vela, que, por sinal, vai chegando ao seu fim.

Esquento água na minha maior panela, misturo com água fria num balde de 10 litros que tenho na minha lavanderia, levo um trio de velas, que passaram a ser minhas amantes da noite, para o banheiro e tomo um banho bem econômico, seguindo a moda ecológica. Passo um pouco de frio no banheiro, mas, pelo menos, estou feliz e tranquilo. Vou para o meu quarto, no reflexo tento acender a luz, as luzes das velas dançam rindo de mim, apoio o prato com elas no criado mudo, vou até a sala para pegar o celular, chego no quarto, deito, vou mandar uma mensagem de boa noite para a namorada, para o grupo de amigos do Whatsapp, mas meu celular está descarregado. Não me importo. Simplesmente conecto-o à tomada e pego meu despertador velho na gaveta. Acerto para as 7h. Apago minhas queridas e brilhantes velas e durmo uma noite encantadora, com sonhos tranquilos e sossegados.

Acordo no outro dia com o barulho estridente do despertador, me irrito, vejo que a energia voltou, me revolto, por que você me deixou? Reclamo mentalmente, levanto, ligo o celular e, de pijamas mesmo, vou até a cozinha preparar meu desjejum. A luz da geladeira não acende, o motorzinho não liga, percebo que deixei o plugue dela na tomada, e é lógico que ela ia queimar na volta da eletricidade, que em todo seu desespero de ver tanta alegria veio pulsante e destruidora. Olho pela janela da cozinha, na rua a vida voltou ao normal, celulares, fones, TVs, tudo a mesma coisa de sempre. Penso, amargurado, bem que a energia poderia ir de vez para qualquer lugar que não aqui, não no mundo, mas não divago muito, meu celular já toca, parece que não foi só em casa que as coisas queimaram.

Bruno Lochetti Sanches Baptista é ex-aluno do curso Técnico em Mecatrônica no Cotuca, turma de 2008. Hoje estuda gastronomia e trabalha em um restaurante.

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