Jogo 10 da noite, NÃO!

“Internacional 2 x 1 Corinthians”, “Santos 4 x 0 Atlético Mineiro” e “Santos 3 x 0 São Paulo”. Quem acompanha futebol sabe do altíssimo nível desses jogos, porém eles têm um ponto negativo em comum: baixo público. Mas por que isso acontece? É o que a campanha “Jogo 10 da noite, NÃO” tenta explicar.

A campanha é organizada pelo coletivo “Futebol, mídia e democracia”. O grupo é constituído por jornalistas, torcedores e ativistas sociais com o intuito de construir uma agenda permanente de lutas envolvendo os temas futebol, mídia e democracia.

Torcedores demonstram seu apoio à campanha tirando foto com seu logo em jogos às 22 horas

A campanha traz, então, uma discussão muito interessante. Sabendo que os jogos citados no início da reportagem foram realizados às dez horas da noite, seria esse um bom horário para o torcedor?

 

Os problemas do jogo às dez da noite

Uma partida de futebol dura em média 2 horas. Portanto, um jogo que começa às dez da noite terá seu fim apenas no dia seguinte. Considerando esse aspecto, um torcedor que depende do transporte público para se locomover não tem condições aceitáveis de assistir ao seu time, pois, nesse horário, ônibus e metrôs já estão terminando seus expedientes pelas cidades.

Em julho de 2014, após confusão com a torcida do Corinthians, que alegou não conseguir pegar os trens no metrô mais próximo após o término do jogo das dez da noite, o governo do Estado de São Paulo decidiu adiar o fechamento da estações em 30 minutos, o que ajuda, mas não resolve. Quanto aos ônibus, nada foi feito.

As limitações não param por aí. Trabalhadores e crianças têm que acordar cedo para começarem suas atividades diárias, o que é impossível que possa ser realizado de maneira saudável com os jogos acabando a esse horário. A violência nas grandes cidades também é um problema ao torcedor que retorna a sua casa durante a madrugada.

Um dos representantes do grupo “Futebol, mídia e democracia”, Felipe Bianchi, falou ao Conexão. Segundo ele, esse horário dos jogos não afeta somente o torcedor, mas também o jogador. “Como o próprio ex-jogador Alex (de Coritiba, Palmeiras e Cruzeiro) comentou em depoimento com ampla repercussão na mídia e na Internet, as mudanças [do horário das 10h] também beneficiariam os jogadores, que são obrigados a exercer a atividade desportiva em alta intensidade literalmente no fim do dia.”

 

 

Com a dificuldade de acesso e os altos preços cobrados, principalmente nas novas arenas construídas para a Copa, o futebol vai deixando de ser uma atração familiar e começa a se tornar um esporte elitizado. Mas, então, por que não mudar o horário para um mais propício aos torcedores e jogadores?

 

Monopólio da transmissão dos jogos e a organização do campeonato

A  Rede Globo têm controle sobre o futebol brasileiro, pois ela monopoliza os direitos de transmissão dos jogos e é a principal financiadora das equipes do futebol brasileiro a partir desses pagamentos dos direitos de transmissão.

 

Receita dos clubes referente a venda dos pacotes pay-per-view de 2014. Imagem retirada de Receita dos clubes referente a venda dos pacotes pay-per-view de 2014.

Com esse poder sobre os clubes e sobre a própria CBF, a Globo tem amplos poderes sobre a organização do campeonato, suas tabelas e horários, fazendo prevalecer seus interesses.

Em discurso sobre os 30 anos do SBT, Sílvio Santos, dono empresas de grande porte como a própria SBT e a Jequiti, revela que esse acordo já deixou de ser somente financeiro, contando que já cobriu uma proposta da emissora, porém sem êxito, já que a CBF alegou existir uma “cláusula preferencial”.

Como a campanha poderia então trazer algum impacto sobre essas duas poderosas instituições?

 

Os objetivos da campanha

O primeiro passo da campanha, segundo Bianchi, “é vocalizar essa demanda quase que consensual das torcidas de norte a sul do país contra uma clara imposição da Rede Globo”. Para ele, só a pressão popular poderá forçar essa demanda a entrar na pauta da sala da reuniões da Globo e CBF.

A campanha busca, ainda, uma bandeira de fácil identificação com os torcedores, para, depois, ampliar o alcance de campanhas futuras. Há planos para uma campanha demandando a transmissão de jogos de clubes de menor expressão e de regiões fora do eixo Rio-São Paulo.

 

jogo10nao3Charge de André Fidusi publicada na página do Facebook da campanha “Jogo 10 da Noite, NÃO”

 

É possível mudar? A referência da Argentina

Recentemente, na Argentina, aconteceu um caso emblemático para o movimento, em função da semelhança entre o monopólio da Rede Globo e o do grupo Clarín. Em 2011, a transmissão dos jogos da principal liga argentina de futebol estava sob comando desse grupo que, além de deter os direitos dos jogos e transmiti-los somente na TV paga, impunha limites aos demais meios de comunicação, impedindo-os de veicular sequer os melhores momentos dos jogos.

De acordo com Felipe, após alguns problemas de renovação de contrato entre a Associação do Futebol Argentino (AFA) e o Clarín, o governo argentino comprou os direitos de televisão da AFA, passando-os para a TV aberta. O canal da TV pública transmite partidas simultâneas às sextas, sábados, domingos e segundas, sendo que o último horário em que as partidas se iniciam é às 21h. Além disso, todos os jogos têm transmissão em tempo real e em alta qualidade via streaming, em um canal do YouTube.

Sobre o exemplo argentino, Felipe analisa: “entendemos que a Argentina não deve, necessariamente, servir de modelo, mas seguramente deve ser uma referência na luta contra o monopólio midiático sobre os direitos de transmissão, a promiscuidade de interesses entre Globo e CBF e, também, pela democratização da comunicação”.

 

Como participar?

Aos interessados, Felipe Bianchi indica acompanhar a página da campanha e do coletivo no Facebook, onde há material como o cartaz da campanha na cor de dezenas de clubes, para serem impressos e levados aos estádios. Ele indica, ainda, a adoção da hashtag #Jogo10daNoiteNao nas postagens sobre o tema, e também convida a participar das reuniões do coletivo também, entrando em contato pela página.

Leia a entrevista completa com Felipe Bianchi, do coletivo Futebol Mídia e Democracia.

3 Comentários

Entre na discussão e nos diga sua opinião.

CAROLINAresponder
novembro 19, 2015 em 07:11 PM

NOTA 10 PARA O TEXTO!

Victorresponder
novembro 22, 2015 em 10:11 AM

parabéns pela matéria, o tema é muito importante!! o monopólio da globo acaba com o futebol brasileiro!! precisamos de uma revolução na comunicação como aconteceu na argentina. democratizar a mídia pra democratizar o futebol! muito legal ver estudantes preocupados com isso!! já estou no #Jogo10daNoiteNAO

André Pastiresponder
dezembro 12, 2015 em 10:12 AM

Belíssima matéria. Parabéns, Lucas!

Recomendo a leitura da entrevista com o jogador Alex: http://www.revistaforum.com.br/semanal/alex-se-te-chamo-para-almocar-e-pago-a-conta-posso-escolher-o-restaurante-o-dia-e-o-horario-e-o-que-a-globo-faz-com-o-futebol/ “Se te chamo para almoçar e pago a conta, posso escolher o restaurante, o dia e o horário. É o que a Globo faz com o futebol”

Deixe um comentário