Responsa: iniciativa de alunos busca ampliar acesso às escolas técnicas

Responsa é um cursinho popular, fundado por estudantes de escolas técnicas, como o Cotuca e a Etecap, e que tem como objetivo tornar a educação pública de qualidade acessível a todos. O projeto está no seu terceiro ano, possui cerca de 15 membros que participam ativamente das reuniões e organização e que, além de preparar os alunos para os vestibulinhos, também os iniciam em sua formação político-social.

O nome surgiu quando os fundadores pensaram que dar aulas e ainda se dedicar aos seus estudos seria uma grande responsabilidade, principalmente por serem muito jovens. Mais tarde descobriram que “responsa” vem do latim responsus, ou seja, resposta. Segundo eles, o Responsa é uma resposta para o que está posto pela sociedade.

RAPoesiaTrecho da música Versos Vegetarianos, do grupo Inquérito

Trajetória

Quando a ideia surgiu

A ideia surgiu em janeiro de 2012, em uma conversa informal que os participantes do Grêmio do Cotuca tiveram. Gustavo Oliveira, Christian Queiroz, Larissa Cavalcanti, entre outros, vieram de escolas públicas e sabiam do quão difícil é ingressar em uma escola técnica pública, principalmente nas de alto nível. Além disso, sabiam que o vestibulinho é uma barreira para quem vem da periferia.

“A gente queria tentar mudar isso e ao mesmo tempo ajudar esse pessoal que não tem dinheiro pra pagar um cursinho. Queríamos, também, dar uma consciência maior pra eles sobre o que é o Cotuca, sobre a importância de fazer esse trabalho e o que que é sair da periferia e ser inserido no Cotuca, porque são vários mundos que estão ali dentro.” (Gustavo Oliveira)

O Responsa passou do plano das ideias para a realidade em junho de 2012, mas logo os obstáculos surgiram. Segundo Gustavo Oliveira, foi difícil encontrar voluntários que realmente se comprometessem. Havia apenas cerca de oito fundadores, que fizeram uma reunião de lançamento do Responsa no Cotuca, na qual trinta pessoas se inscreveram para dar aula. A princípio, o número pareceu animador. Eles prontamente quiseram auxiliá-las, fazer oficinas de didática, entre outras atividades, porém logo vários dos voluntários foram se afastando do projeto. Assim, sobraram poucos para organizar tudo, como planejar, dar as aulas e fazer lanches, mas mesmo assim os fundadores insistiram e continuaram a se empenhar.

Ainda no mesmo ano houve outro problema: um local fixo para dar as aulas. “Chegamos a dar aula em vagão de trem, aquele vagão de lata na FEPASA (Ferrovia Paulista S.A.), morrendo de calor, com a lousa branca muito pequena, em cima de uma mesa que a gente apoiava na parede, porque não tínhamos onde ensinar”, desabafa Gustavo.

Apesar de muito esforço, o Responsa não tinha representatividade, as escolas desconfiavam do projeto e não cediam espaço. Esse problema só foi superado no ano seguinte.

Primeiro espaço físico

Em 2013, Gustavo se lembrou do apoio para fundar o Responsa, que havia recebido da diretora da escola na qual completou seu Ensino Fundamental, a EMEF Maria Pavanatti Fávaro, na região do Ouro Verde, e decidiu perguntar se ela poderia ceder um espaço, sendo assim, a diretora o ouviu e concordou. O Responsa conseguia seu primeiro espaço físico, no qual tinha as devidas condições para ser desenvolvido.

Ainda no mesmo ano, os fundadores conheceram o SINSPREV (Sindicato dos Previdenciários) de Campinas. Os sindicalistas se empolgaram com a ideia e também cederam o espaço de sua sede, que, apesar de pequeno, tinha banheiro, água, cozinha, entre outras coisas necessárias, além de ser localizado no Centro, um local de fácil acesso para a maioria dos alunos.

 

Oportunidades

Os estudantes do Responsa são de escolas públicas e estão, geralmente, no 9º ano do Ensino Fundamental. São moradores das periferias de Campinas e região, buscam melhores condições de vida e veem o ingresso em escolas como o Cotuca como uma oportunidade. Os pais deles, apesar de haver alguns formados no Ensino Superior, em sua grande maioria são formados apenas no Ensino Médio ou Fundamental, além de terem empregos pouco valorizados.

Apesar de o Ensino Técnico contribuir para o futuro dos profissionais formados, por ajudá-los a se inserir no mercado de trabalho, os fundadores expõem que não é esse o principal objetivo do Responsa. Eles informam que em escolas como o Cotuca e a Etecap os formados foram ensinados a lidar com diferentes situações, mas que o foco do Responsa não é ingressar os estudantes, e sim despertar neles o senso crítico, para que passem a existir novas oportunidades e que eles possam, então, viver bem no mundo como ele é ou tentar mudá-lo.

Segundo Larissa Cavalcanti, o fato de os professores terem vivido situações parecidas com as dos alunos ajuda nessa tarefa, por os aproximarem: “Eles confiam em nós, não só como professores, mas como amigos. Não somos a figura autoritária que eles, infelizmente, estão acostumados a enxergar nos professores. Somos amigos que estão tentando ajudar. Isso abre infinitas possibilidades de diálogo, o que aumenta nossa responsabilidade, mas expande os horizontes sobre como podemos influenciá-los”.

 

Unidades

Veja abaixo quais são as três unidades do Responsa atualmente. Como o cursinho dá muito valor a discussões políticas do país e causas sociais, decidiu nomear as unidades de forma que fizesse uma homenagem, sendo que cada uma delas tem nome de um morador das favelas do Rio de Janeiro, de alguém que foi vítima da polícia militar e que teve sua morte noticiada pela mídia.

 

Amarildo

Região: Centro
Local: E.E. Castorina Cavalheiro Dona (clique para visualizar o mapa)
Endereço: Rua Prefeito Passos
Bairro: Vila Itapura
Quem foi: Amarildo, ou Boi, nasceu e viveu na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Era pedreiro, ganhava apenas R$300 por mês, morava em um barraco de um só cômodo, com sua mulher Elizabeth e seis filhos. No dia 14 de julho de 2013, estava voltando de uma pescaria, quando foi abordado por quatro recrutas da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora). Os policiais militares pensaram que ele era o traficante Guinho e levaram-no para verificação. Amarildo entrou na viatura da polícia e nunca mais foi visto. Com câmeras e GPS inativos, até hoje a Rocinha quer saber: “Onde está Amarildo?”

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Família de Amarildo diz acreditar que pedreiro já está morto
As reviravoltas do caso Amarildo

Cláudia

Região: Ouro Verde
Local: EMEF Maria Pavanatti Fávaro (clique para visualizar o mapa)
Endereço: Avenida José Oliveira Carneiro, nº 2
Bairro: Jardim São Cristóvão
Quem foi: Cláudia era auxiliar de serviços gerais, mãe de quatro filhos e criava quatro sobrinhos. Morava no Morro da Congonha, no Rio de Janeiro. Estava voltando da padaria quando foi atingida por dois tiros, em um possível confronto entre traficantes e UPP. Os policiais colocaram-na no camburão, ferida, e foram em direção ao hospital. No caminho, o porta-malas da viatura abriu e ela foi arrastada por 350 metros, estando pendurada pela roupa no para-choque. Ela não suportou os ferimentos e morreu. Segundo seu viúvo, Alexandre Fernandes da Silva, Cláudia foi “tratada como bicho”.

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Baleada, arrastada, morta: a tragédia de Cláudia e a relação do morro com a Polícia Militar do Rio de Janeiro

Eduardo

Região: Campo Belo
Local: EMEF  Odila Maia Rocha Brito (clique para visualizar o mapa)
Endereço: Rua Juvenal de Oliveira, s/n
Bairro:  Jardim São Domingos
Quem foi: Eduardo tinha 10 anos, morava no Conjunto de Favelas do Alemão, participava de projetos na escola e sonhava em ser bombeiro. Estava assistindo televisão com sua mãe, a doméstica Terezinha, quando saiu e se sentou no batente da porta de sua casa. A mãe ouviu um barulho e, quando olhou, o garoto já estava morto, pela bala (possivelmente perdida) de um fuzil. Ela não tem dúvida de que foi um policial militar que matou Eduardo: “Tiraram o sonho do meu filho. Tiraram todas as chances dele. Eu fazia de tudo para ele ter um futuro bom. Aí vem a polícia e acaba com tudo”.

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Mãe de morto no Alemão acusa: ‘Nunca vou esquecer o rosto do PM’

 

 

Perguntas frequentes

Mateus Pereira, um dos fundadores e membros ativos do Responsa, revela quais são as perguntas mais frequentes feitas por quem tem interesse em participar do cursinho:

Quem pode participar como aluno? Como se inscrever?
Qualquer pessoa a partir do 9º do Ensino Fundamental, de preferência de escola pública, pode participar do Responsa. Deve entrar em contato através do Facebook ou dos membros do projeto.

Quando são as aulas?
As aulas são dadas aos sábados, das 8h às 16h, nas unidades Cláudia e Eduardo, e das 9h às 17h, na Amarildo. É possível tirar dúvidas online a qualquer momento, em qualquer outro dia da semana, dependendo apenas da disponibilidade dos participantes, ou ainda presencialmente (apenas aos domingos, na unidade do Centro, a Amarildo). Infelizmente, são somente esses os horários viáveis, pois os voluntários muitas vezes estudam no Ensino Médio, Técnico ou Faculdade, ou trabalham.

Onde são as aulas?
Atualmente, há três unidades: Amarildo, Cláudia e Eduardo. No próprio site do Responsa está escrito quais linhas de ônibus passam pelos locais.

 

Quanto custa e onde o material pode ser encontrado?
O cursinho é gratuito, os custos são apenas com transporte e alimentação. As apostilas e provas usadas também são gratuitas, além de estarem disponíveis online.

 

Qual a ligação do cursinho com o Cotuca e outras escolas técnicas?
O cursinho é formado por estudantes de escolas técnicas públicas, porém o Cotuca e as outras escolas não interferem em suas decisões.

 

Como participar como voluntário (professor, monitor ou ajudante)?
É só entrar em contato com aqueles que já são voluntários. Há reuniões e oficinas para ajudar os novos membros a desenvolverem sua didática. É só acompanhar as aulas e estar disposto a, com o tempo, se acostumar ao papel de professor.

 

Como saber mais sobre o Responsa ? Como entrar em contato ?
É possível saber mais e entrar em contato acessando o site ou pela página do Facebook.

 

Arte digital por Douglas Cardoso

2 Comentários

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André Pastiresponder
novembro 22, 2015 em 12:11 PM

A iniciativa do Responsa é exemplar e lembra da responsabilidade que temos em colocar essas estruturas dos colégios técnicos a serviço de quem mais precisa. Um projeto exemplar que abrange, além dos requisitos formais aos vestibulinhos, uma formação crítica a quem participa, seja como professor ou como aluno. Lembro-me do lançamento da iniciativa, no Salão Nobre do Cotuca. Muito bonito ver como cresceu e uma satisfação poder ter acompanhado algumas das atividades. Deixo meus parabéns a todas as pessoas envolvidas!

Parabéns, também, à Vivian, pela excelente matéria; à Fran, pelas ilustrações belíssimas; e ao Douglas pela arte genial dos versos do grande Renan!

Vivian Cabralresponder
novembro 25, 2015 em 02:11 AM
– Em resposta a: André Pasti

Pasti, acredito que os fundadores e professores do Responsa se orgulhem de si mesmos, por participarem de um projeto tão exemplar. Enquanto uns dizem “vamos diminuir as vagas”, outros dizem “vamos colocar essa galera lá”, (ainda bem que) há quem queira mudar o mundo! 🙂

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