Tempo livre e alienação
Administrar o tempo é sempre tarefa difícil e angustiante — qual aluno do Cotuca não concordaria com isso? É preciso saber administrar estudo e trabalho, tentando encontrar espaço para um tempo livre, em que possamos ter liberdade de escolher a atividade que vai preenchê-lo. Mas essa liberdade é mesmo real?
Trabalho e tempo livre
Como o tempo é um componente do mundo capitalista, ele não se resume à delimitação de fatos cotidianos. É também uma mercadoria.
A maior parte das empresas dispõe de um “ponto” para controlar o tempo de trabalho de seus funcionários. Em sua maioria, os trabalhadores recebem pelo tempo que dedicam às empresas. Logo, “tempo é dinheiro”. Mas, se tempo é dinheiro, quando pode também ser diversão ou descanso?
A própria palavra “descansar” dá pistas para pensarmos essa questão. Caso o tempo livre tenha como objetivo ser um “repositor de energia”, seria ele de fato livre?
Nesse sentido, a indústria do entretenimento passa a ter um papel importante. Ela cria padrões de uso do tempo livre, cerceando a liberdade do indivíduo de aproveitá-lo.
Os “hobbies”: liberdade?
Pensando nos sentidos que a expressão “tempo é dinheiro” promovem em nossas vidas, hobbies passam a ser entendidos como atividades de menor importância, que são praticadas em um tempo livre. Por outro lado, considerando que há uma indústria do entretenimento criando padrões que ganham privilégio na sociedade, também consideramos ser essencial ter um hobby: não tê-lo significa ser anormal, alguém que só pensa em trabalhar.
Mas se são atividades essenciais à plenitude de nossa existência — como literatura, música, arte, esportes etc. —, por que as desvalorizamos como atividades de “segunda classe”, de menor importância, que só servem para descansarmos do trabalho?
Theodor Adorno, em seu ensaio “Tempo Livre”, afirma que o tempo livre na atualidade não seria uma oposição ao trabalho, pois não oferece a liberdade que deveria ao indivíduo para conseguir concretizar tal oposição. Para ele, quando regido pela indústria do entretenimento, o tempo livre é apenas, implicitamente, outro momento controlado por agentes externos, promovendo uma sensação de proveito da liberdade, mas sendo o exercício de mais um dever: o dever de ir ao cinema, de assistir a um show, de jogar videogame, entre outros. Nas palavras, densas, de Adorno: “as pessoas não percebem o quanto não são livres lá onde mais livres se sentem, porque a regra de tal ausência de liberdade foi abstraída delas”.
Podemos pensar, nesse caso, que haveria uma alienação (isto é, uma alteração no sentido das ações ou nas próprias ações individuais de alguém resultante de uma interferência externa ao indivíduo) na construção do tempo livre: o que deve ser feito nele não é fruto de liberdade do indivíduo, mas, sim, das ações da indústria do entretenimento. Assim, há uma determinação externa ao indivíduo que modifica o sentido de suas ações, capturando a liberdade de seu tempo de não-trabalho.
Assim, para que as empresas possam ter funcionários descansados e produtivos é preciso que eles estejam alienados e, de certo modo, “satisfeitos” por seguirem padrões sociais. Dessa forma, nem mesmo nossos momentos fora do controle do trabalho são espaços de efetiva liberdade.
* Felipe Augusto e Fernando Rodrigues são alunos do 4º Mecatrônica (concomitante noturno).
O texto acima foi desenvolvido a partir de atividade da disciplina de Filosofia e Sociologia do 3º ano, do prof. André Pasti.
2 Comentários
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[…] também discute a relação social com o tempo em texto escrito com Felipe Augusto, compreendendo as divisões entre estudo, trabalho e lazer que preocupam […]
Achei bem interessante o texto, mostra como agnt ta predestinado a seguir um padrão do sistema… Mas surgiu duas duvidas, esses passa tempos q vc citou se referem do somente as culturas de massa certo?
E como um esporte pode servir como uma alienação, ou se for pensar no conceito de q passa tempo serve pra descansar do trabalho, fazer exercícios nao promoveriam um efeito contrário ao desejado?