A ideologia nas escolas: uma discussão a ser incentivada
A última prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) adicionou combustível a uma discussão que já vinha ganhando espaço no meio público. A menção à filósofa Simone de Beauvoir levou uma parte da sociedade a acusar a prova de estar “carregada com ideologia” (a ponto de apelidar a prova de Exame Nacional do Ensino Marxista). O clamor por uma prova “isenta de ideologias” foi grande. Contudo, será que é possível criar uma prova que seja integralmente isenta?
A questão que citava Simone de Beauvoir requisitava apenas que o estudante indicasse o movimento social ao qual o discurso dela estava ligado. Em ponto algum, a questão obrigava (ou sequer pedia) que o aluno assumisse a afirmação da francesa como verdade. Por qual motivo, então, gerou tanta discussão? Simplesmente por apresentar uma ideologia diferente da dominante. O mesmo pôde ser observado com o tema da redação da prova deste ano, “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”.

O choque ideológico causado pela questão do ENEM nos leva a pensar no papel das diferentes ideologias no sistema educacional brasileiro. Projetos de lei que proíbem a exposição e, consequentemente, a discussão de ideologias na sala de aula são discutidos pelo país todo. Esses projetos, porém, não consideram que é impossível para um professor (ou pra qualquer outro ser humano que o tente) se expressar sem expor sua ideologia. No simples ato de escolher as palavras que formarão uma frase há a interferência da ideologia. Ao escolher um termo para ser utilizado, vários outros são suprimidos juntamente com seus diferentes sentidos e o único sentido que prevalece é aquele que convém à ideologia de quem está formulando a frase.
Lembrando que, para o filósofo francês Louis Althusser, a ideologia é o conjunto de ideias e saberes que regem a forma como o indivíduo enxerga o mundo, devemos considerar que todos têm uma ideologia (embora seja muito mais fácil identificar a ideologia daqueles que têm uma que difere da sua). Levando isso em consideração, vemos que uma prova do ENEM “isenta de ideologia”, que é demandada por certos setores da sociedade, não é uma prova realmente isenta, mas uma prova com os ideais desses setores, que não diferem da ideologia em que estão ambientados.

Como lidar, então, com as ideologias no âmbito escolar? Tentar proibir sua exposição e discussão é tão eficiente quanto cobrir o sol com uma peneira, já que todo discurso é ideológico. O que deve ser feito é, ao contrário do que é discutido hoje, incentivar a exposição e a discussão das diferentes ideologias no ambiente escolar (e, quem sabe, num passo mais ambicioso, estender essa discussão a outros setores da sociedade). Ao expor indivíduos em formação a diferentes formas de ver o mundo, damos a esses indivíduos a capacidade de analisar e entender diferentes pontos de vista sobre diversos assuntos para que eles, então, escolham aquele com o qual mais se identificarem ao invés de apenas repetir os ideais aos quais são expostos com maior frequência e que caíram no senso comum, formando, assim, uma leva de cidadãos mais críticos e com uma melhor capacidade analítica
* Fernando de Oliveira Rodrigues é estudante do 4º ano de Mecatrônica noturno.
O texto acima foi desenvolvido a partir de atividade da disciplina de Filosofia e Sociologia do 3º ano, do prof. André Pasti.
2 Comentários
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[…] representando preocupações com a educação, Fernando Rodrigues discute a relação entre ideologia e sala de aula, explorando os acontecimentos em torno da prova do Enem de 2015 e de posicionamentos legislativos […]
Fernando concordo com você. O livre pensamento não pode ser oprimido. Não devemos temer ideias contrárias as que formamos em nossas mentes durante nossa vida. Isso nos faz pensar. E por essa razão somos diferentes dos animais. Estou muito contente com o rumo que o Cotuca tem seguido. Sou ex-aluno e desde o tempo que lá estudei, e faz muito tempo, o incentivo ao questionamento sempre foi a linha da escola. Eu considero que na minha vida, a exposição a pensamentos diferentes dos meus só me trouxe uma autocrítica mais apurada, desmistificando muitos pré-conceitos que acumulei. Mas precisamos ter na nossa mente a razão de nossa existência. Senão corremos o risco de ficar sem rumo, levado por qualquer vento de doutrina. Você escreve bem, e isso com certeza é consequência de muita leitura. Como um pensamento talvez dito pelo filósofo Sócrates, para se expor a uma nova ideia, tudo o que sei é que nada sei. Parabéns.
Ops: assista um filme, sem preconceito, que também debate esse tema sobre o qual você discorreu. O filme é “Deus não está morto 2” . Talvez algum dia a gente se encontre para debater essa ideia.