Discutindo: Descriminalização da maconha no Brasil

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“Estúpido é aquele que faz sempre o mesmo e espera resultados diferentes. Não podemos ser estúpidos no Governo. Vamos fazer diferente!”   (José “Pepe” Mujica)

Desde a antiguidade, vemos a presença de substâncias alucinógenas em diversas sociedades primitivas. Chás alucinógenos usados em toda a América Latina pré-colombiana e cogumelos consumidos no Norte da Europa precedem as drogas que temos hoje em dia. Apesar de existirem tantos produtos entorpecentes ao longo da história, nenhum é tão consumido atualmente quanto a maconha, a droga ilícita mais consumida no mundo, com aproximadamente 180 milhões de usuários.

 

O que é descriminalizar?

A premissa de que a descriminalização fará com que todos os processos de venda e uso da maconha sejam legais está bem equivocada. Há uma grande diferença entre descriminalizar e legalizar.

A descriminalização fará com que cidadãos possam portar uma certa quantidade de erva sem que isso seja considerado um delito. Apesar de evitar a penalidade para usuários, a medida não impede que o crime organizado ainda controle a venda e a produção das drogas.

A legalização, no entanto, deixaria de criminalizar todo o processo (venda, distribuição e produção) e facilitaria a fiscalização e regulamentação por parte do governo. Assim, haveria o enfraquecimento do monopólio criminoso do setor multibilionário das drogas.

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A química por trás da maconha

Da planta Cannabis podem ser produzidas mais de 400 substâncias químicas, sendo o canabinoide THC (hidrocarboneto da família dos fenóis) a que tem maior poder narcótico. Após inalar a fumaça da maconha, o THC é conduzido diretamente dos pulmões até a corrente sanguínea, por onde é transportado ao cérebro. Em nosso cérebro, há receptores de canabinoides que se concentram em lugares diferentes, como no hipocampo, cerebelo e gânglios basais.

O THC atua em células específicas do cérebro que normalmente reagiriam a substâncias químicas – semelhantes ao THC – produzidas naturalmente pelo corpo. Nesse caso, porém, essas células receptoras são superestimuladas e, portanto, liberam dopamina em excesso, causando euforia, sentidos alterados e mudanças de humor, além de interferir na forma como as informações serão processadas pelo hipocampo (parte do cérebro responsável pela formação de novas memórias).

 

História da maconha

Os primeiros registros conhecidos do uso da maconha são quase tão antigos quanto a própria escrita, datando de 2727 a.C., e são originários da China, onde a planta era utilizada de forma medicinal. Em 430 a.C., foi registrado seu primeiro uso recreativo. Somente em 1200 d.C., chegou ao ocidente e foi rapidamente espalhada pela Europa Ocidental.

Apesar das proibições, entre os anos 40 e 60, houve uma ascensão das culturas do rock ‘n roll e do movimento Hippie, causando um aumento no consumo recreativo entre os jovens. Atualmente, ainda há muito a ser descoberto e analisado, porém, já constatou-se que a maconha não é uma droga tão letal quanto as outras legalizadas.

 

História da maconha no Brasil e sua proibição

A maconha (planta) foi introduzida no Brasil em 1500, já que as velas e os cordames das caravelas portuguesas eram parcialmente feitos de fibra de cânhamo.

 

Cânhamo: variedade da planta Cannabis. Seu plantio é permitido, pois possui um teor de THC bem menor que o da maconha. É usado na fabricação de papel, cordas, alimentos (principalmente forragem animal) e para a fabricação de óleos, resinas e combustíveis. 

 

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No entanto, a planta foi mesmo trazida com objetivo recreativo em 1549 por negros escravizados da Angola. Apesar de proibida hoje, a maconha já foi incentivada antes de ser tornada algo hedonístico.

Em 1785, O Vice-Rei enviou uma carta ao Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo, recomendando o cultivo de cânhamo. Outra curiosidade é que, até 1905, eram comercializados cigarros com tabaco e maconha destinados a uso medicinal: curavam asma, catarro e insônia.

 

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Contudo, na década de 1930, após a II Conferência Internacional do Ópio, a repressão aumentou drasticamente devido a postura dos delegados brasileiro e egípcio. Eles introduziram a discussão da maconha pela primeira vez no evento. A partir dessa data, começa a crescente proibição legal da maconha e, em 1976, é criada a Lei 6.368/1976. Ela estabelecia que a posse para uso pessoal e o tráfico são crimes passíveis de prisão.

Com o objetivo de amenizar a punição pela posse da droga, a lei anterior é revogada pela 11.343/2006. Em seu artigo 28, a lei mais recente determina que a posse de maconha, dependendo de sua quantidade, não é considerada crime. Todavia, ainda haverá punições, como trabalho voluntário.

A lei 11.343/2006 não afasta o usuário da esfera criminal. Atualmente, sua constitucionalidade entrou em discussão pelo STF devido à interpretação de que ela violaria o artigo 5º da Constituição Federal, no qual se prevê que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Segundo esse ponto de vista, como o uso pessoal de maconha não prejudica o próximo, não há como ser considerado um crime.

O debate discute também a constitucionalidade de punir um usuário de droga. Até agora, três ministros votaram, sendo que todos são a favor da descriminalização. O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, foi o único que apoiou o porte pessoal de todas as drogas, não só a maconha.

A descriminalização (e após esse passo, a possível legalização) da maconha no Brasil resultaria em:

 

  • Redução drástica dos assassinatos e do poder paralelo. Assim que houver um modo do usuário adquirir a maconha através de meios legais, a organização do tráfico será enfraquecida. Afinal, o dinheiro da venda da maconha (e de outras drogas) seria direcionado ao governo por meio de impostos, e não ao poder paralelo. Assim, parte do investimento em militarização feito pelo crime organizado seria aposentado, o que o tornaria uma ameaça muito menor para a sociedade. Estima-se que a venda ilegal de metanfetaminas, heroína, cocaína e maconha nos Estados Unidos – drogas oriundas principalmente do México – gera um lucro anual em torno de 22 bilhões de dólares (83 bilhões de reais).
  • Discernimento social e legal entre traficante e usuário. Usuários são presos portando gramas de maconha e são condenados a anos de prisão por tráfico de drogas. Se a erva possuir um limite para posse pessoal, o usuário pode ser classificado como uso recreativo e não contribuirá com a superlotação de cadeias, por  inúmeras prisões desnecessárias. É necessário separar a esfera criminal da esfera da saúde: o traficante merece julgamento penal, enquanto o viciado precisa ser tratado em centros de reabilitação.
  • Redução de gastos dos cofres públicos. Combater o tráfico custa caro. O serviço judiciário, os policiais, armamentos, mortes etc. trazem um custo para o governo que poderia ser revertido para o controle da venda das drogas e a fiscalização da mesma, por exemplo. Assim, haveria a arrecadação de impostos sobre a venda legal para maiores de 18 anos, assim como acontece no Uruguai. A verba também poderia ser destinada a programas de prevenção e tratamento de dependentes químicos.
  • Combate ao racismo. Como o sistema escravagista perdurou por mais de 350 anos, a questão do racismo está diretamente ligada às apreensões pela posse de maconha. O negro será considerado inferior devido ao preconceito decorrente de nossa história de colônia. A maconha sempre foi um vício da classe mais baixa. Quando a elite experimentou e gostou, teve medo de que outros costumes, como candomblé e capoeira fossem inseridos em seu cotidiano. Assim, a elite branca proibiu a erva em prol de seus valores conservadores, com receio de perder a sua cultura para os costumes do negro.
  • Combate ao moralismo. O discurso de “um mundo sem drogas” é utópico. Entorpecer é um ato que aparece em diversos momentos históricos. Os astecas comiam cogumelos alucinógenos; os antigos hindus fumavam maconha; os romanos misturavam ópio ao vinho. Além disso, é comprovado a letalidade de drogas lícitas, como o álcool e o cigarro, enquanto a maconha nunca matou ninguém diretamente. Logo, a proibição de uma erva que, estatisticamente, é inofensiva comparada às drogas legais é algo sem nexoNa década de 20, por exemplo, vigorou a Lei Seca nos EUA, que proibia a fabricação, comércio, transporte, exportação e importação de bebidas alcoólicas. Ao contrário do esperado, a demanda continou a mesma, e as pessoas consumiam clandestinamente e, consequentemente, enriqueciam as máfias e seus chefes, como Al Capone. A proibição absoluta não trouxe benefícios, e sim aumento da criminalidade e do poder paralelo.

 

Descriminalização da maconha em outros países

Quando olhamos para nossos vizinhos latinos, é possível perceber que cada vez mais são feitos programas de descriminalização. Países como Chile, Colômbia, México e Jamaica dão permissão para consumo próprio, apesar da quantidade máxima que se enquadra em tal quesito variar muito em cada um deles.

O Uruguai, por sua vez, em 2013, por meio do ex-presidente José Mujica, foi o primeiro e único país a legalizar desde a plantação até a compra da erva. O controle é feito por processo cadastral aos quais são submetidos os maiores de 18 anos que desejam consumi-la.

A descriminalização e a legalização da maconha foram postas à prova não apenas em países desenvolvidos (como Holanda, Espanha, e partre dos EUA e da Austrália), mas também nas nações consideradas subdesenvolvidas e em desenvolvimento (como os Latinos citados, Irã e até mesmo Coreia do Norte). O que houve de fato é que, no geral, o número de consumidores nesses países não foi alterado. Ou seja, a curto prazo, não houve nenhuma mudança brusca, muito menos o temido e folclórico “surto de usuários”. No caso específico do Uruguai, as mortes relacionadas ao tráfico da droga chegaram a zero, segundo o ex-secretário nacional de drogas do país Julio Heriberto Calzada.  

Olhando para o resto do mundo, existem outros exemplos de países que adotaram políticas progressistas para lidar com a maconha. Portugal, apesar de não ter legalizado, em 2001 descriminalizou todas as drogas e, 11 anos depois, o número de consumidores de maconha passou de 7,6% para 9,4% da população, ou seja, a descriminalização não causou nenhum aumento exorbitante. As vantagens alcançadas nos decorridos 15 anos são várias: o comércio ilegal regrediu bruscamente no país e o usuário deixou de ser visto como criminoso e passou a ser tratado pela polícia como uma pessoa com problema de saúde. Contudo, quando se olha para o mundo, nota-se que a imensa maioria dos países ainda não possui políticas de descriminalização da maconha, insistindo na guerra ao tráfico que, historicamente, não vem apresentando resultados.

 

Para saber mais

 

Vídeos:

 

Documentários:

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3 Comentários

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Marcia Akahoshiresponder
setembro 02, 2016 em 07:09 AM

Excelente artigo, parabéns aos redatores!!!

João Colladoresponder
setembro 03, 2016 em 11:09 AM

Ler artigos como esse que trazem soluções inteligentes para nossa sociedade, é um colírio para os meus olhos!!! Pois a maioria da população só tem acesso e interesse pelas páginas policias, que só trazem as consequências da omissão de nossas autoridades, ao não enxergarem as verdadeiras soluções para o bem estar social.

Mente Aberta: a cultura de diálogo no Cotuca – Conexão Cotucaresponder
dezembro 20, 2016 em 09:12 PM

[…] tivemos problemas algumas vezes com a direção, com destaque para o tema da Legalização da Maconha, que foi “proibido” e, por conta disso, fomos discutir fora da escola (em uma […]

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