Gincana 2016: Um olhar para a segregação

 

Segundo o dicionário, a palavra gincana significa “competição em que destreza e rapidez contribuem para a classificação” (Michaelis, 2008). Mas, para alunos e professores do Cotuca, a gincana possui um significado mais profundo. Aqueles que já participaram sentem de perto como pode ser difícil trabalhar em equipe, liderar uma turma, ou simplesmente ser ignorado quando se sai em busca de alimentos pra arrecadação. Porém, ao mesmo tempo em que há dificuldades, o sentimento de acolhimento, de solidariedade e a sensação de dever cumprido motiva a continuar participando em todos os anos. O evento, então, deixa de simplesmente estar no calendário escolar pra se tornar um desejo para todos os alunos.

Para os professores, a gincana não é só um momento de diversão, e sim um momento de reflexão e ensino coletivo aos alunos. Todos os anos, temas têm sido escolhidos para nortear o tratamento de diversos assuntos com os alunos, como “Doação de Sangue” e “Ética e o espaço coletivo”. Apesar de nunca conseguir atingir 100% dos alunos do colégio, a cada ano aumenta-se a expectativa para a edição seguinte. O que será que a Gincana Solidária 2016 reserva aos alunos?

 

O tema e as equipes

 

Durante os últimos anos, a Gincana Solidária passou a adotar temas que deveriam ser  utilizados durante toda a competição, desde a idealização e realização das provas, até  a escolha dos nomes das equipes. Neste ano, não será diferente.

Em uma das reuniões entre professores e os alunos, foi sugerido pelos alunos o tema “Segregação da periferia com o centro” (Segregação Socioespacial). Após discussões, eles chegaram à conclusão de que seria mais abrangente trabalhar o tema “Segregação”, como um todo.

“Procuramos, a cada ano, organizar a Gincana mais próximos às expectativas dos alunos, sem perder a sua essência pedagógica e colaborativa, mesmo dentro de uma competição. Escolher o tema junto com os alunos foi uma dessas iniciativas. Teremos a avaliação dos próprios alunos, durante e após a Gincana.” —  Patricia Mano Trindade, professora de Educação Física

Sendo o tema deste ano segregação, teremos as equipes Zumbi, Dandara, Mandelas e Panteras, representando grandes ícones da luta contra o preconceito racial.
Mas, afinal, o que é segregação?

“Segregação é o processo de separação no qual pessoas e/ou grupos são afastadas física e socialmente de outras pessoas e/ou grupos. Isso acontece devido a fatores biológicos ou sociais, como raça, riqueza, educação, religião, profissão, nacionalidade, entre outras.” Fonte: http://goo.gl/3cWZ6u

Existem vários tipos de segregação. A segregação racial, por exemplo, é uma política que visa a separar e/ou isolar um grupo étnico específico ou minorias raciais de uma sociedade. Um exemplo disso foi o Apartheid na África do Sul, que impedia relações entre “raças” diferentes e submetia a população africana a uma minoria branca.

Foi nessa luta que surgiu um dos grandes heróis da África do Sul e do mundo: Nelson Mandela. Principal representante da luta antiapartheid na África do Sul e presidente do país entre 1994 e 1999, Mandela foi o escolhido para ser homenageado por uma das equipes da gincana.

“Queríamos algum símbolo forte do combate à segregação e pensamos, desde o início, no Nelson Mandela, por toda a sua história e contribuição.”Douglas Carvalho Cardoso, aluno de terceiro Enfermagem e capitão da equipe “Mandelas”

Por ser uma tradição de muitos anos no Cotuca, os alunos têm o costume de permanecer na “mesma equipe” que entraram em seu primeiro ano. Porém acontecem casos de alunos que preferem trocar de equipe no ano seguinte, e esse não é um problema para a Mandelas.

Nossa equipe vem se esforçando para demonstrar os objetivos do tema entre os próprios membros, aceitando membros que já foram de outras equipes no passado, por exemplo. Douglas Carvalho Cardoso, aluno de terceiro Enfermagem e capitão da equipe “Mandelas”

Um outro exemplo de segregação foi o que aconteceu nos Estados Unidos.

Lá os movimentos tiveram seus heróis, desde pacifistas, como Martin Luther King Jr., aos mais radicais, como o “Partido dos Panteras Negras” (ou BPP, do inglês “Black Panthers Party”). Esse foi o movimento escolhido para o nome da equipe “Panteras”.

O partido, criado na década de 1960 por Huey Newton e Bobby Seale, possuía métodos bem radicais para exigir seus direitos. Tinham como ideais o armamento de toda população negra – por conta dos constantes ataques violentos e brutos da polícia -, isenção do pagamento de impostos – como forma de compensação pelos séculos de exploração escravagista -, pagamentos de indenizações e a libertação de todos os negros presos.

“Foi algo bem unânime. Nem lembro quem sugeriu, mas a maioria adorou a ideia. Tivemos alguns problemas, como: o movimento em que nos inspiramos foi violento, não acabou “bem”. Foram perseguidos. Quase caçados. Meio que chegamos à conclusão de que apoiamos seu ideais, mas não seus métodos (não totalmente). Quase tentamos mudar, mas não foi necessário.”Camila Smania Semensato, aluna de terceiro Mecatrônica e capitã da equipe “Panteras”

O movimento passou a ser mais conhecido depois das Olimpíadas de 1968. Durante a premiação dos 200 metros rasos, os atletas Tommie Smith e John Carlos, medalhistas de ouro e de bronze, respectivamente, levantaram as mãos com os punhos fechados (símbolo do movimento) e abaixaram a cabeça durante a execução do hino nacional americano. Tal atitude era proibida pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), que não permitia manifestações políticas dos atletas. Como consequência, eles foram banidos das Olimpíadas, mas se tornaram heróis.

“A ideia veio da lembrança minha e de um amigo meu, dos dois atletas banidos por fazer o sinal dos Panteras. A gente falou do nome pra galera e a aceitação foi total.” Gabriel Alves Telles, aluno do segundo informática e capitão da equipe “Panteras”

Para Camila Smania Semensato, aluna de terceiro Mecatrônica, o tema da gincana foi bem escolhido: “Acho extremamente necessário. Ainda nos dias de hoje, vivemos sob resquícios do preconceito que está presente desde o século XVI no nosso país. Nós, alunos do Cotuca, temos uma certa consciência sobre isso. Temos a obrigação de falar sobre o assunto e divulgá-lo. Ser esse o tema da gincana torna a abordagem mais dinâmica e simples. Além de, é claro, envolver muito mais gente.”, diz.

As equipes “Zumbi” e “Dandara”, por sua vez, resolveram homenagear duas figuras importantes na história brasileira.

Líderes do “Quilombo dos Palmares”, Zumbi dos Palmares e Dandara lutaram bravamente contra a escravidão no Brasil Colonial.

Zumbi nasceu em 1655, no estado de Alagoas. Embora tenha nascido livre, ele foi capturado aos 7 anos e entregue a um padre que lhe ensinou a língua portuguesa e a religião. Porém, aos 15 anos, ele voltou a viver no quilombo dos Palmares, pelo qual lutou até sua morte, em 1695.

“Abrimos uma enquete no grupo, falamos do tema e pedimos para as pessoas votarem. O que tivesse maior número de votos ganhava, e acabou sendo Zumbi. A maior dificuldade na escolha foi que colocaram nomes como BodyBuilder, e Blackout, nomes para zoar e esses tiveram muitos votos também, mesmo não tendo nada a ver com o tema.”  —  João Carlos Lopes do Prado, aluno de terceiro Mecatrônica Noturno e capitão da equipe “Zumbi”

Para João Carlos, o tema escolhido representa o sentimento dos alunos do noturno, que compõem boa parte da equipe que ele coordena. “É um tema curioso em se tratando do histórico do Cotuca e o esforço que os alunos do noturno têm feito nos últimos anos para se encaixar na gincana. Um ótimo tema, que veio na hora certa.”. E complementa: “No noturno, sempre tiveram alunos que se incomodaram com a segregação na escola. Não é diferente neste ano, e isso está se refletindo na equipe, nas discussões, na organização e tudo mais. Os alunos estão sempre tentando achar formas de nas provas se expor como “merecedores” do colégio, tanto quanto qualquer outro aluno do diurno.”

 

Guerreira e valente, Dandara foi uma das lideranças femininas na luta contra o serviço escravocrata da época. Teve três filhos com Zumbi: Motumbo, Harmódio e Aristogíton.

Ela e Zumbi construíam estratégias e planos de ataque e defesa do quilombo.

“Fizemos votação entre alguns nomes que os primeiros integrantes sugeriram. O pessoal curtiu muito a história da Dandara, por ser exemplo de segregação tanto racial como de gênero, então não houve problemas.”— Giovanna Machado Flores, aluna de segundo Alimentos e capitã da equipe “Dandara”

Não há registros de onde e quando ela nasceu, nem da sua ascendência africana. Relatos afirmam que ela nasceu no Brasil e se estabeleceu no quilombo ainda quando criança. Sua história mostra que a mulher não é um sexo frágil: além dos serviços domésticos, ela plantava, trabalhava no plantio de mandioca, lutava capoeira e liderava o exército feminino do quilombo. Após ser capturada, ela se suicidou em 6 de fevereiro de 1694 para evitar que voltasse à condição de escrava.

 

Sobre as Provas da Gincana

 

A professora de Educação Física, Patrícia Mano Trindade é a coordenadora da gincana em 2016. Sobre as provas, ela comenta:

“Temos as provas tradicionais, como o ‘Quem sabe, sabe!’, o ‘Show de talentos’, ‘Alimentos’, entre outras, e as provas novas, como o teatro em inglês e os jogos de informática. Teremos também as provas que foram sugeridas pelos alunos, como o Pokémon, Magic e Ping-pong.  A divulgação das provas para os alunos tem sido tranquila, pois todas são divulgadas, simultaneamente, aos capitães das 4 equipes. E as equipes utilizam muito bem dos recursos para a divulgação dos seus regulamentos. Como procuramos lançar provas de diversas habilidades, imaginamos que contemplamos todos os nossos alunos. Em alguma prova, o nosso aluno se sentirá à vontade para participar com sua equipe. Essa é a nossa expectativa.”

 

 

Dificuldades e desafios na organização da Gincana

 

Por mais que a Gincana seja realizada todos os anos e que, geralmente, as equipes comecem seus preparativos após o fim da gincana anterior, elas sempre têm algumas dificuldades.

Para Giovanna Machado Flores, essa falta de informações sobre Dandara tem sido a principal dificuldade para a equipe.“Encontrar dados sobre a Dandara é muito difícil. Quando se fala do Palmares, todos lembram sempre do Zumbi como o herói, quando, na verdade, ele e Dandara lutaram lado a lado. Não sabemos qual era sua religião, não sabemos em que ano nasceu, não sabemos como era seu cabelo. Pouquíssima gente conhece a história de Dandara, e quem conhece chega a duvidar se ela existiu, justamente por não existirem informações sobre nossa guerreira.”

Já para o aluno João Carlos Lopes do Prado, a divisão de tarefas tem sido um trabalho árduo. “Se organizar de forma horizontal, por mais que tentemos que nunca algum aluno se sobressaia a outro na organização, sempre acaba sobrando mais trabalho pra alguns. E também durante as férias não foi discutido nada, o que atrasou e complicou muito a organização.”.

 

Já para as equipes “Mandelas” e “Panteras”, a principal dificuldade é a motivação dos alunos:

“Muitas pessoas estão desanimadas, o que vem atrasando o andamento das atividades.” Douglas Carvalho Cardoso, aluno de terceiro Enfermagem e capitão da equipe “Mandelas”

“Nossa principal dificuldade é a distância. É difícil animar o pessoal por Facebook, cobrar a galera.  Estamos fazendo o possível e esperamos que isso melhore com a volta das aulas.”Camila Smania Semensato, aluna de terceiro Mecatrônica e capitã da equipe “Panteras”

Para a professora Patrícia Mano, existem muitos desafios quando se trata da Gincana:

Uma das dificuldades é, às vezes, a falta ou distorção da informação, quando mudamos algo. Assim como no número anterior, o jornal do colégio (Conexão Cotuca) dedicar um artigo à Gincana auxilia muito na divulgação desse evento tão esperado por todos. Outro desafio é que, a cada ano, os alunos fazem uma Gincana melhor. Daí, há uma expectativa nossa de conseguir dar este suporte ao evento. A maior dificuldade deste ano será a redução de 3 para 2 dias, sem retirar nenhuma prova da programação. Uma alternativa proposta foi antecipar para o sábado a entrega dos alimentos, prova que requer bastante tempo e espaço do ginásio para a sua realização. Outra dificuldade é ‘montar’ e ‘desmonta’ os espaços de provas e o QG das equipes no início e final de cada dia, já que a gincana se realiza durante o dia e, à noite, há aula no colégio. ”

 

Expectativas para a Gincana Solidária 2016

 

 

Cada um dos capitães demonstra grande entusiasmo. Para Douglas Carvalho Cardoso, essa pode ser a melhor edição dos últimos três anos.

Camila Smania Semensato diz: Poxa, é minha última gincana. Espero que seja especial, como foi a primeira. Não quero aquele clima ruim que surgiu no começo da gincana do ano passado. Espero que seja a melhor gincana.” E complementa: (Como equipe) nosso intuito, a princípio, foi acolher os bixos. Tem uma boa galera remanescente da ‘Fírimar’, de 2014, e a gente perdeu a gincana. Mas posso dizer que foi a melhor gincana. Eles nos acolheram de uma forma sensacional e deixou em nós a vontade de continuar. Espero que nós possamos passar a mesma sensação pros nossos bixos. Não só da equipe Panteras, mas de todas as outras também!”

 

A aluna Giovanna Machado Flores espera que a Gincana sirva como um momento de reflexão para todos os alunos participantes. (Eu espero) uma gincana que aborde temas que não fazem parte da rotina da maioria dos alunos do Cotuca. Vamos falar sobre racismo, machismo, homofobia, transfobia e capacitismo, entre mil outros preconceitos, e quem sabe assim reconhecer nossos privilégios. Também espero um clima menor de competição, comparando esse ano com o ano passado. A energia que as outras equipes estão me passando é muito boa.”
Já para João Carlos Lopes do Prado, essa gincana marca o fim da segregação dos dois períodos : “É a primeira vez que os alunos do noturno participam de um evento assim. Ao contrário dos alunos do diurno, que esperam e se preparam muito tempo para isso, a maioria dos alunos do noturno, seja de qual ano for, não faz muita ideia do que é a gincana, de como ela funciona. Por isso tenho receio de como será a equipe na gincana. E espero que os alunos dos outros períodos não nos tratem como rivais, mas que nos ajudem nesse novo passo pro fim dessa ‘rixa’ diurno X noturno.”  E complementa: Espero que nós, alunos do noturno, ganhemos mais visibilidade participando desse evento, mas não só nesse evento, que isso seja uma porta de entrada para que as pessoas da escola, sobretudo os chefes de departamento e a direção, parem de tratar os alunos do noturno de forma excludente, de inferiorizar nosso tratamento em relação ao período diurno.

8 Comentários

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Beatrizresponder
setembro 11, 2016 em 10:09 PM

Ótimo artigo! Bem informativo e emocionante, adorei! ♡

Guilherme Borboremaresponder
setembro 11, 2016 em 11:09 PM

#OtemaéUniãoMasONotTemAula

Ana Carolinaresponder
setembro 11, 2016 em 11:09 PM

#otemaéuniãomasonottemaula

Francieleresponder
setembro 11, 2016 em 11:09 PM

#OtemaéUniãoMasONotTemAula

LUCAS BRANDAOresponder
setembro 11, 2016 em 11:09 PM

#OtemaéUniãomasoNotTemaAula

Luis Amaralresponder
setembro 12, 2016 em 12:09 AM

#OtemaéUniãoMasONotTemAula

Lucas Mesquitaresponder
setembro 12, 2016 em 12:09 AM

#OTemaéUniãoMasoNotTemAula

Allan Claytonresponder
setembro 12, 2016 em 08:09 AM

#OTemaÉUniãoMasONotTemAula

A melhor Gincana dos últimos anos não foi feita da noite para o dia!

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