Discutindo: Aborto

Feminismo, feminicídio e cultura do estupro são temas que têm conquistado maior projeção nos últimos anos e, nesse contexto, estão as discussões sobre o aborto. Os debates sobre o tema são marcados por questões morais, psicológicas e sociais. É também um assunto polêmico e tratado muitas vezes como tabu.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 22 milhões de abortos inseguros ocorrem todo ano no mundo, e estima-se que 47 mil mulheres morrem anualmente de complicações decorrentes de práticas inseguras para a interrupção da gravidez. A região da América Latina registra a mais alta taxa de abortos clandestinos e inseguros, sendo 31 entre 1000 mulheres, segundo dados da OMS.

“O procedimento [do aborto] feito de maneira insegura é a quarta causa de mortes maternas no Brasil, sendo responsável pela morte de 220 mulheres a cada 100 mil abortos em condições de risco em todo o mundo” site do médico Drauzio Varella

A psiquiatra Carmen Fusco afirma em sua tese intitulada “Aborto inseguro: determinantes sociais e iniquidades em saúde em uma população vulnerável” que “globalmente, o aborto que ocorre em condições inadequadas, ou de risco, causa cerca de 70.000 mortes por ano e o mesmo é a principal causa de mortalidade materna na América Latina e Caribe, região que possui a mais alta taxa de abortos inseguros, ilegais e clandestinos”, sendo que essas mortes são preveníveis.

“A taxa de letalidade de abortos inseguros é 350 vezes maior que a de abortos seguros.” pesquisa de Carmen Fusco.

Pesquisas do Datafolha indicam que quase 70% dos jovens no Brasil estão satisfeitos com a lei atual que regulamenta o aborto. Esse posicionamento representa opiniões que têm repercussão no país e representam um discurso conservador sobre o tema.  Entretanto, é alta a porcentagem desses jovens que declaram ter amigas que já passaram por um aborto: 30% dos brasileiros que têm entre 16 e 25 anos.

Atualmente, na lei brasileira, o Artigo 128 do Código Penal estabelece que o aborto praticado por médico não será punido quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gestação que a mulher deseja interromper for resultado de um estupro. Nesses casos, quando há o consentimento da gestante, o procedimento deve ser realizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Diversas discussões sobre o tema no Brasil levam à criação de PLs e emendas constitucionais, como o Projeto de Lei 5069/2013, de autoria dos deputados Eduardo Cunha (PMDB), Isaias Silvestre (PSB) e João Dado (PDT) que, entre outros,  tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto. Tal emenda invalidaria o artigo 128 do Código Penal, pois o médico não poderia mais informar à gestante sobre seus direitos, no caso da gravidez constatada se adequar nos casos em que o aborto é permitido pelo código penal. Até a publicação desta reportagem, a emenda estava sujeita à apreciação no plenário.

Descriminalização X Legalização

Em novembro de 2016, com o julgamento de cinco pessoas (médicos e funcionários) de uma clínica clandestina de aborto em Duque de Caxias, Rio de Janeiro, a Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF) se posicionou a favor da descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação no Brasil. Porém, isso não significa que o aborto até o terceiro mês de gravidez deixou de ser crime no país.

Durante a votação que decidira sobre a liberdade dos réus, o ministro Luís Barroso se posicionou contra a atual lei do Código Penal e declarou que “os artigos 124 e 126 deste ferem a Constituição por contrariarem diversos direitos constitucionais da mulher, como a autonomia, os direitos sexuais e reprodutivos, a integridade física e psíquica e a igualdade em relação ao homem”. Seguido por Rosa Weber e Edson Fachin, Barroso sugeriu a descriminalização do aborto até os três meses de gestação, reforçando que, na maioria das democracias liberais do mundo, a prática não é crime.

Aborto clandestino X terapêutico

Segundo o Guttmacher Institute, organização americana líder em pesquisas na área, leis restritivas ou que proíbem o aborto, como a do Brasil, não impedem as mulheres de abortar, mas tornam o procedimento clandestino e ilegal. Os níveis de aborto em países onde ele é descriminalizado são menores. Resultados semelhantes são apresentados na tese de Carmen Fusco: “Quase todos os abortos em condições de risco, ou inseguros, ocorrem nos países em desenvolvimento ou em países pobres, onde os abortos são limitados por lei”.

Instituto Guttamacher – adaptado.

 

A professora Giselle Martins do Departamento de Enfermagem do Cotuca explica que o aborto terapêutico sempre apresenta riscos, por conta de ser uma cirurgia, envolvendo hemorragias, infecções e evacuações incompletas, e, no caso de aborto cirúrgico, as lacerações cervicais e perfurações uterinas. “Se for clandestino, esses riscos serão muito maiores”, diz a professora. No caso do aborto realizado de forma insegura, as complicações podem levar à morte, causar sérios danos à saúde da paciente e afetar gestações subsequentes .

 

Instituto Guttamacher – adaptado.

A pesquisa de Fusco, realizada em uma comunidade da periferia da cidade de São Paulo, revela também que “as mortes por aborto, no Brasil, em sua maioria, são de mulheres jovens, negras, solteiras ou separadas judicialmente”. Os dados da pesquisa indicam que fatores relacionados à desigualdade social estão diretamente relacionados à prática do aborto.

“Nenhuma mulher quer abortar. Toda mulher sofre porque é uma violação para o seu corpo.” Giselle Martins, professora do Cotuca.

Apesar do aborto ser uma prática recorrente historicamente no mundo, a interrupção induzida de uma gravidez pode trazer muitos problemas psicológicos para as mulheres. “Querendo ou não, metade do meu conteúdo genético está ali dentro. Tem metade de mim ali dentro. A partir do momento que eu me coloco no lugar de outra pessoa, a pessoa que eu estou gerando, e faço essa reflexão, isso se torna difícil de se administrar do ponto de vista emocional”, afirma a professora Giselle.

Enquanto há a discussão sobre a diminuição de mortes e complicações geradas com o aborto clandestino, causado pela falta de segurança à gestante com a realização do procedimento, em contraponto há as consequências que podem ser geradas pelo aborto. “Por que eu iria querer legalizar algo que me causa tanto sofrimento? A lei nos protege de algumas coisas. Quando engravido de um estupro, por exemplo, eu tenho o direito legal de abortar”, diz Giselle.

1 Comentário

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Natãresponder
outubro 19, 2017 em 09:10 PM

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