Os desafios na escolha da carreira
“Meu pai sempre ‘sugeriu’ que eu fizesse direito.”
Carlos André, estudante de administração com ênfase em comércio exterior na UNICAMP
Escolher o que cursar na faculdade é uma dúvida recorrente na vida de jovens estudantes do Ensino Médio, numa fase onde as escolhas definirão como será o seu futuro. Há quem ouça que tem “cara” de Humanas, mesmo amando a área de Exatas; quem sonhe com Artes Visuais, mas sofre pressão familiar para fazer Medicina; e quem seja muito bom em certas matérias, mas não tenha ideia de que carreira fazer. No meio de uma infinidade de pessoas dando opiniões sobre a sua vida, qual seria a escolha mais sensata a fazer?
O LADO FINANCEIRO
A escolha da profissão é uma tarefa difícil, e, de acordo com uma pesquisa feita pelo Portal Educacional, quando se inicia o processo seletivo para os vestibulares, mais de 54% dos alunos brasileiros que cursam o 3º ano do Ensino Médio ainda não sabem qual carreira seguir.
A angústia que isso causa nos jovens que desejam iniciar o ensino superior faz com que muitas vezes tomem decisões prematuras sob pressão de pessoas próximas. Essa influência pode acarretar diversas dificuldades na vida desses estudantes: começar a cursar uma faculdade ou um curso técnico que não os interessa é apenas uma delas.
A estudante Letícia Helena, aluna de 3º Mecatrônica Noturno no Cotuca, pretende cursar Estatística e ela relata:“uma vez, minha mãe comentou com uma amiga que Estatística estava nas minhas opções de cursos para graduação, e a amiga disse indignada que essa profissão não tinha reconhecimento no mercado. Disse para falar comigo e ver se eu não mudava de ideia e prestava Engenharia, por ser um curso com “melhor retorno financeiro’”. Mas, pensando em conhecimento e planejamento financeiro, apesar da superestimação desses na nossa sociedade, não são apenas os cursos de medicina, engenharia e direito que podem garantir um bom retorno.
“Eu ouvi muito ‘nossa, você vai fazer administração? Mas todo mundo faz!’” Carlos André
Segundo a psicóloga Jaqueline Stevanato, “deve-se buscar formas melhores de aplicar a profissão. Cursar algo visando apenas o financeiro não fornece ao indivíduo gratificações pessoais”, afirma. Ela acrescenta, ainda, que o melhor seria buscar um equilíbrio entre as duas coisas: satisfação pessoal e financeira.
“Antes de pensar no dinheiro, eu considero que a atração por certa profissão deve ser colocada em primeiro lugar, para que haja um aumento da minha motivação ocasionando até mesmo maiores remunerações por estar fazendo o que eu gosto.”Letícia Helena, aluna do Cotuca
A IMPOSIÇÃO FAMILIAR
Além da questão financeira, também é comum fazer uma escolha baseada em comentários de pessoas que têm uma grande importância em nossas vidas: familiares, amigos ou até mesmo um professor pelo qual temos admiração. É o caso de Júlia Maia, estudante de Fonoaudiologia na UNIFESP, que queria cursar medicina mas acabou desistindo por influência de parentes. “Eu tenho uma prima que fez Fonoaudiologia na Unicamp e na época ela já era fonoaudióloga. Isso influenciou muito a minha escolha e fez com que a aceitação da minha família em relação à Fonoaudiologia fosse positiva”, afirma Júlia.
De acordo com um trabalho elaborada por sociólogos do Instituto de Ciências Sociais em Lisboa, os jovens têm se tornado cada vez mais dependentes da sua família até entrar no mercado de trabalho (o que vem ocorrendo entre os 25 e 29 anos), e a imposição sobre a faculdade a ser cursada vem cada vez mais das famílias. Utilizando-se do fato de serem os responsáveis pelo jovem, por estarem sustentando a educação e moradia, muitos pais acabam impondo a própria decisão de carreira aos filhos, não permitindo que eles escolham o que querem fazer. Em outras ocasiões, os estudantes sentem-se na necessidade de agradar aos pais ou sentem culpa por não cumprirem com as recomendações da família.
Alex Castro disserta sobre o poder que a família pensa que tem sobre nós no artigo “Prisão Obediência”, afirmando que “o pai pode deserdar o filho que escolheu ser ator de teatro infantil, mas é completamente incapaz de fisicamente impedi-lo de subir no palco ou obrigá-lo a frequentar as aulas de Penal I […]. A Autoridade pode nos punir, mas não pode nos obrigar a ir contra nós mesmas, a abandonar nossos sonhos, a abdicar de nossos princípios”.
“No terceiro ano do ensino médio eu ainda não sabia o que iria fazer na universidade. Eu gostava de inglês, então achei que faria tradução ou relações internacionais, mas também gostava de economia. Os meus pais queriam que eu fizesse algum curso de graduação já pro mercado como administração ou RH. Estudando três anos de técnico (em Administração), vi que esse não era o meu mundo. Eu conversei com minha professora de Física e pedi um conselho pra me dar um norte, porque eu não sabia ainda o que queria e ela me disse que eu seria da ciência e acabei prestando Ciências da Natureza na USP.” Elvis Cruz, estudante de Física na USP
CARREIRA DE HOMEM E DE MULHER? LIDANDO COM OS ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO
Além da imposição feita por familiares e amigos, temos uma forte influência da sociedade e dos estereótipos que ela carrega sobre nossas escolhas. Desde o ensino fundamental as pessoas escutam que “menino é melhor em matemática, menina é melhor em interpretação de texto e em português” ou então que “menina é delicada, precisa ajudar na parte da saúde; menino é mais bruto, não serve pra isso”.
Discursos como esses vêm sendo repetidos há tanto tempo que já estão muito consolidados no imaginário das pessoas. A crença no estereótipo de que homens têm mais habilidade em matemática do que mulheres pode ser absorvida por meninas mais cedo do que se imaginava – e contribuir para afastar mulheres de campos como engenharia e ciências da computação, segundo o psicólogo americano Andrew Meltzoff em entrevista para BBC Brasil.
Esses discursos muitas vezes desestimulam pessoas de ambos os gêneros a seguir a área que eles realmente gostam. Muitos deixam de se esforçar em certas coisas pelo simples fato de a sociedade dizer que “eles não precisam ser bons nisso”. Na adolescência e na vida adulta, essa imposição sobre o que são os “cursos de menina” e o que são os “cursos de menino” implica em nichos de trabalho completamente dominados por um dos gêneros.
As estatísticas comprovam o impacto que esses discursos provocam no mercado de trabalho. Uma pesquisa feita em 2011 pela Associação Brasileira de Enfermagem mostra que essa área possui 2 milhões de enfermeiros contabilizados, dos quais 1,4 milhão são mulheres, o que equivale a 87% das pessoas que trabalham com Enfermagem são mulheres. O mesmo vale para o lado oposto: na área de cursos ligados a exatas, temos 78% dos formados em Engenharia sendo do sexo masculino, segundo uma tese de doutorado da USP feita em 2012. Isso ocorre também em outros países. O psicólogo Andrew Meltzoff afirma que, nos Estados Unidos, “na Universidade de Washington, 46% do departamento de psicologia é de mulheres, mas elas compõem apenas 14% do departamento de matemática. Na Universidade de Stanford a desigualdade é ainda pior: só 3% do departamento de matemática é de mulheres. Em Harvard e no MIT, os valores são ainda menores”.
OS MALES DE SEGUIR O CURSO INDESEJADO
Começar uma faculdade pela qual o estudante não tem interesse pode fazer com que ele desenvolva, ao longo do tempo, diversos problemas de saúde, como ansiedade, crises de pânico e até depressão. Manter-se em um curso que não desperta interesse pode ser desgastante. Além disso, as pessoas não costumam ter o mesmo desempenho quanto teriam se cursassem algo de que verdadeiramente gostam.
“Eu não queria passar, não queria sair de casa e nem me sentia minimamente preparada para um meio acadêmico, mas passei e acabei vindo fazer o curso.” Júlia Maia, aluna de Fonoaudiologia na UNIFESP
No texto “Cansaço, exaustão e estudo”, escrito por Luísa Cerri e Giovanna Flores podemos ver um pouco mais sobre esses efeitos na rotina dos estudantes, como afirma o psicanalista Roberto Cardona, formado pelo Centro de Estudos em Psicanálise Clínica (WCCA): “no caso de uma total dissociação do que o estudante deseja para si e do que os pais colocam para eles é uma patologia mais grave. É um caso bem mais sério, pois não se trata apenas da escola, em si, mas de uma imposição que não é aceita pelo ego”. Nessa situação, é necessária a consulta com o profissional da área de saúde.
AFINAL, COMO ESCOLHER UMA CARREIRA?
É preciso conhecer-se e conhecer a carreira que se pretende seguir antes da escolha. São muitas as opções e até mesmo muitas as possibilidades de atuação em cada profissão.
A psicóloga Camila Alqualo afirma que “certamente é mais saudável os jovens aceitarem suas incertezas, do que se esconderem em uma falsa segurança e fazerem escolhas baseadas apenas no desejo dos pais, em meias verdades, ilusões ou preconceitos; ou ainda não exprimir sua verdadeira vontade pela simples falta de noções corretas e atualizadas sobre a realidade das profissões”.
Para saber qual a carreira ideal para você, antes mesmo de pensar sobre qual é o seu maior sonho, pode ajudar se perguntar quais são suas facilidades e limitações, e como isso pode afetar o curso que você pretende escolher. Para não errar nessa hora é muito importante o autoconhecimento, saber detalhes da carreira e das atividades que serão exercidas, o ambiente que terá que trabalhar, com quem você irá trabalhar (se sozinho, com pessoas, animais ou máquinas) e ter noção do quanto você se sentiria bem com essa profissão. Conversar com profissionais especialistas pode ajudar a decidir quais seriam as melhores opções e é para isso que existe a Orientação Vocacional — um acompanhamento com um psicólogo para desenvolver o autoconhecimento e, dessa forma, encontrar a carreira ideal de acordo com seus gostos e seus limites.
MUDANÇA DE CURSO: INDESEJADA, MAS MUITO COMUM
Segundo o Ministério da Educação, o número de estudantes que abandonam seus cursos na universidade chegou a superar o de concluintes em 2014. O problema, mais presente em cursos de faculdades particulares, tem várias explicações possíveis: dificuldades econômicas, má qualidade desses cursos universitários e a falta de bagagem escolar dos alunos para acompanhar as matérias. Outro estudo de 2012 da Public Agenda, nos Estados Unidos, apontou que um dos fatores predominantes para o abandono e mudança de curso é a falta de informações prévias sobre as instituições de ensino, os cursos e as carreiras.
Se “tempo é dinheiro”, muitos acreditam que uma troca de curso seria perda de tempo (e de dinheiro). Porém, várias pessoas que saíram de uma área para seguir outra como que se identificavam mais defendem o quão gratificante é se esforçar em algo que você realmente se interessa.
João Wibe, aluno de administração com ênfase em agronegócio na Unicamp, mudou de ideia depois de cursar dois anos e meio de Engenharia: “a principal mudança apareceu no estímulo que o novo curso trouxe, tanto em pesquisar e me interessar mais pela área cursada, quanto durante as aulas e matérias extraclasse. Acredito que, a longo prazo, cursar uma graduação que me interesse mais me tornará um profissional mais dedicado e atencioso à minha profissão do que se eu continuasse no curso anterior” diz.
Entre os que têm o privilégio de poder escolher a carreira, viver continuamente trabalhando com algo que não agrada pode trazer muito desgaste. O desinteresse ao longo do curso pode, ainda, fazer com que os profissionais formem-se despreparados e desmotivados.
Talvez seja adequado considerar que a maior perda de tempo seria começar um curso que não gostamos e prorrogar nossa permanência nesse curso por mais tempo, ou até mesmo formar-se e tentar seguir a área para descobrir-se frustrado. Vale a pena dedicar tempo e energia refletindo antes da escolha da carreira e repensando, a cada momento, o caminho decidido.