Ainda somos o país do futebol?

“Aqui é o país do futebol”, diz a canção de Milton Nascimento. Essa frase já caiu na boca do mundo inteiro. Mas por que o Brasil seria o país do futebol e não a Inglaterra, local onde o esporte foi criado, ou os Estados Unidos, a maior potência econômica e sede das maiores ligas de diversos esportes? Quais os motivos que diferenciam o futebol brasileiro com o do resto do mundo, e, principalmente, diferenciam o futebol dos outros esportes praticados aqui?

 

São muitos os historiadores, sociólogos e amigos nas rodas de conversa de domingo que tentam encontrar uma explicação e, em meio a tantas ideias e discussões, são muitas as possibilidades para responder essas “simples” perguntas.

O professor de Educação Física do Cotuca, Luiz Seabra, pensa essa questão a partir de uma reflexão sobre manifestações culturais e a capacidade que a habilidade dos jogadores brasileiros teve para cativar espectadores de diferentes classes sociais e até mesmo políticos: “não se sabe ao certo a resposta para essa questão. Entretanto, para alguns historiadores, sociólogos, jornalistas, o futebol é considerado uma manifestação cultural que, no Brasil, ganhou popularidade e massificação de forma mais rápida e abrangente e, por diferentes motivos, transformou-se em um esporte que melhor representa as características do povo brasileiro”.

 

Alguns estudiosos no assunto dizem que essa paixão nacional pelo futebol nasceu na década de 1910, quando o esporte ainda se encontrava nas mãos da elite, mas atraía um grande número de espectadores, de camadas sociais diferentes, sobretudo os negros e a classe operária, que nem sempre podiam frequentar e assistir às partidas. O gosto pelo esporte, sua popularização e massificação no cotidiano de seus admiradores, de certa forma, alimentaram tanto a sua prática, como a sua “marginalidade” e antipatia inicial, principalmente pelos intelectuais.

Sua efetiva popularização, de acordo com pesquisadores da área, se dá na década de 1930, período em que políticos como Getúlio Vargas se aproveitam do fanatismo das massas em benefício próprio. Apoiando a profissionalização do futebol, Getúlio e outros tantos políticos ganham popularidade e caem nas graças do povo. Assim, segundo explica o pesquisador e professor de história da USP, Flávio de Campos, “as vitórias nos campos passam a ser as vitórias da pátria”. O mesmo acontece na década de 1970 com a seleção do “Tri”, já no governo militar.”

Luiz Seabra, professor de Educação Física.

 

Por outro lado, Humberto Scavinsky, integrante do coletivo “Futebol, mídia e democracia”, entende como um clichê a afirmação de que somos o país do futebol: “Não considero o brasileiro um povo que ame tanto o futebol. Provavelmente o sucesso nas Copas do Mundo e a alta qualidade de seus jogadores transformaram esse conceito – país do futebol – numa “verdade””. Contrariando o que circula no senso comum, ele lembra de pesquisas recentes que mostram que os brasileiros que gostam de futebol ou torcem por algum time não são a maioria da população.

 

A importância do futebol é pequena, considerando a vida política e econômica. Seu crescimento se deve à popularização. Era um esporte da elite que aos poucos foi sendo tomado pelo povo que, no início do século 20, não tinha nenhuma forma de lazer, tampouco de participação política e econômica.  Há 3 anos, uma pesquisa revelou que o público presente na várzea é pouco maior que o presente nos estádios do futebol profissional. O público total é de pouco mais de 43 milhões de pessoas (23 milhões na várzea e 20 no futebol profissional).”

Humberto Scavinsky, integrante do coletivo “Futebol, mídia e democracia”.

 

HISTÓRIA DO FUTEBOL NO BRASIL

O futebol apareceu no Brasil no dia 9 de julho de 1894, com a vinda de Charles Miller, brasileiro que estudava na Inglaterra e que voltou ao país trazendo uma bola e um par de regras desse novo esporte. Porém, a primeira partida só foi acontecer em 1895, no dia 14 de abril, em São Paulo. As duas equipes que participaram desse momento histórico foram o São Paulo Railway, time do “pai do futebol”, como ficou conhecido Charles Miller, contra a Companhia de Gás, ambas formadas por ingleses que moravam na cidade. O jogo terminou com o placar de 4 a 2 para o time de Charles Miller.

Em 1901, foi criada a Liga Paulista de futebol, e até 1919 quase todos os estados brasileiros possuíam liga regional e confederação. Durante esse período,  foi criada a Confederação Brasileira de Desportos, que administrava o futebol e outros esportes no Brasil. Após a dissolução dessa confederação, foi criada em 1979 a Confederação Brasileira de Futebol que está vincula com as 27 federações estaduais e que administra o futebol brasileiro até os dias de hoje.

 

FUTEBOL PROFISSIONAL vs FUTEBOL DE VÁRZEA

 

A Várzea

 

Caneta, rolinho, lençol, meia lua, drible da vaca e várzea são termos criados e utilizados no meio do futebol, principalmente em São Paulo.

“Futebol de várzea” é um termo criado para definir a prática do futebol amador, um jogo entre amigos no final de semana, também conhecido como “pelada do final de semana”, geralmente praticado nos campinhos e quadras de bairros. Na maioria das vezes, o termo se refere a um campeonato organizado, mas que não contém a estrutura adequada para praticar o futebol profissional. Costuma ser disputado em um campo de terra batida, não cumprindo todas as regras oficiais. Por outro lado, há sempre muita rivalidade entre times de bairros e cidades, um público significativo em jogos realizados aos domingos, quando os jogadores não estão trabalhando.

A cidade de Sumaré tem um bom exemplo da força do futebol de várzea no Brasil. No bairro Parque das Nações, os moradores mais antigos do bairro repetem frequentemente histórias sobre dois times do local, São José e Girassol. Criados há muito tempo por amigos do mesmo bairro, eles começaram a participar de campeonatos da região e ambos chegaram em diversas finais. Isso criou uma rivalidade enorme, trazendo sempre um público grande para suas disputas. Como fruto do trabalho de um torcedor, foi criado o Projeto Vulcão: colocando vidas em erupção, destinado a crianças e jovens em situação de rua.

 

O Profissional

 

Joias da base para o exterior

A venda precoce de jogadores formados na base para a Europa, mais conhecidos como “joias da base”, tem uma grande impacto no público dos jogos profissionais do país. Com a venda desses promissores jogadores, o público brasileiro vai, aos poucos, aumentando o interesse pelo futebol europeu. Um exemplo desses jogadores é Neymar Júnior, que virou ídolo do Santos F.C e foi vendido para uma potência na Europa. Outro jogador que passou pelo mesmo processo é Vinicius Júnior, promovido do profissional há pouco tempo, mas já vendido para o poderoso Real  Madrid. Além deles, Ederson, goleiro brasileiro, também foi vendido muito cedo para Europa, construindo sua carreira e agora atuando pelo bilionário time da Inglaterra Manchester City.

Neymar começou na base do Santos e, em 2009, fez sua estreia no profissional em jogo válido pelo Ccampeonato Paulista contra o Oeste. Sua última partida no clube foi no dia 26 de maio de 2013, pelo Campeonato Brasileiro. Nesses quase quatro anos defendendo o Santos, ele conquistou três Campeonatos Paulistas, uma Copa do Brasil, uma Copa Libertadores da América e uma Recopa Sulamericana, virando ídolo do time da baixada santista e enchendo todos os estádios por onde jogou. Fez até mesmo a torcida do Cruzeiro aplaudi-lo na goleada do Santos de 4 a 0 no estádio Independência em 2012.

O caso do jogador Vinicius Júnior é ainda mais preocupante, pois foi promovido para o profissional do Flamengo em maio de 2017, e, após dois jogos como profissional no mesmo mês, o clube anunciou sua venda para o Real Madrid por 45 milhões de euros. O jogador se apresentará ao clube espanhol em julho de 2018, quando completa 18 anos, mas podendo ficar até julho de 2019 no Flamengo, o que dependerá das negociações entre os dois clubes. Portanto, Vinicius poderá jogar até dois anos defendendo o clube que o revelou.

 

“Se analisarmos a formação de jogadores, penso que não somos o país do futebol, pois já fomos superados nesta questão. Enfatizo aqui a palavra “formação” de jogadores, uma vez que os clubes brasileiros, com raras exceções, por diferentes motivos, não têm mais capacidade e competência para descobrir e formar jogadores e aqueles poucos talentos que se destacam são comprados ou vinculados precocemente a clubes europeus ou de outros continentes. Vale dizer que temos um grande número de talentos que chegam aos clubes, escolinhas de futebol, campos de várzea (se é que ainda existem), mas por falta de preparo profissional, de estrutura das instituições e de políticas de incentivo ao esporte são “perdidos” e ficam pelo meio do caminho, ou, às vezes (acho que muitas), são descobertos por clubes do exterior.” Professor Luiz Seabra

 

Um exemplo citado no texto e pelo professor, que repercute no mundo do futebol, é o caso do goleiro Ederson da seleção brasileira, que agora pertence ao Manchester City. Ele jogou no time Ribeirão 1968 Futebol Clube, mas, com apenas 15 anos, foi para Portugal, integrado ao time principal do SL Benfica em 2015, e em junho de 2017 foi vendido para o Manchester City por 40 milhões de euros, se tornando o segundo maior valor pago em um goleiro na história do futebol.

 

Violências nos estádios brasileiros

 

Mais um fator que pode influenciar no pouco público nos jogos do Brasil é a violência que ocorre em muitos jogos entre torcidas organizadas dos times. O incentivo financeiro de muitos times para torcidas organizadas tem deixado cada vez mais distante o torcedor “comum”, que prefere assistir ao jogo pela televisão para não correr o risco de enfrentar a violência que pode acontecer.

Na maioria das vezes, esses conflitos entre torcidas organizadas ocorre em clássicos estaduais como Corinthians x Palmeiras, Santos x São Paulo, Flamengo x Vasco, e até mesmo clássicos regionais, como o dérbi campineiro Guarani x Ponte Preta, sobre o qual trata o texto escrito por Bruno Guellis para o Conexão Cotuca.

Muitos desses conflitos entre torcidas acaba desmotivando torcedores a ir ao estádio. A tentativa de combate a essas brigas tem acontecido com e punições ao times, como aplicação de multas, obrigação de jogar partidas como mandante com o portão fechado, perdendo o lucro dos ingressos vendidos. 

 

Estádios precários e arenas caras

 

Outros dois problemas que acontecem no futebol brasileiro são a situação precária de diversos estádios, muitos deles da série A. Por outro lado, aqueles que têm passado por reformas costumam ter ingressos muito caros.

 

“É um processo de controle do esporte pelo capital. O futebol tem de ser lucrativo, amistoso, divertido, e tem de vender o máximo possível. A partir  do momento que o capitalismo se apodera do esporte, faz dele um meio de obter lucro. Quanto mais rápido isso aconteça, melhor. Portanto tudo que possa diminuir a presença do capital – ou seu controle – no esporte é afastado, evitado.”

Humberto Scavinsky.

 

Muitos estádios brasileiros se modernizaram para a Copa do Mundo de 2016, o que fez os ingressos dessas arenas ficarem mais caros, afastando o torcedor da classe média baixa, o que leva à discussão sobre a “Elitização do futebol brasileiro”:

 

“Quanto ao processo de elitização do futebol, segundo o mestre em direito desportivo Gustavo Lopes Pires de Souza, o lazer é um direito social consagrado no artigo 6°, da Constituição Brasileira. O artigo 217 do texto constitucional, que trata do desporto, estabelece que o Poder Público deverá incentivar o lazer como forma de promoção social. Neste caso, entende-se que o futebol corresponde a atividade de lazer que deve ser incentivada e promovida pelo Estado. Por viabilidade, na perspectiva de espetáculo de alto nível (difícil ver este nível no futebol brasileiro de hoje), a arrecadação das bilheterias é essencial para sua manutenção. Assim, a elitização do futebol mostra-se como um caminho sem volta, uma vez que os clubes devem ofertar seu espetáculo vendendo ingressos com preços compatíveis aos investimentos realizados.

Do ponto de vista social, a “MP do futebol” pode moderar este processo de elitização ao determinar que os clubes de futebol que querem renegociar suas dívidas fiscais com o governo mantenham “oferta de ingressos a preços populares.”

Professor Luiz Seabra

 

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