A cultura do estupro

Em maio deste ano, pelo menos sete homens gravaram e postaram na internet imagens e vídeos de si mesmos estuprando uma jovem de 16 anos no Rio de Janeiro. Esse caso chocou não só o Brasil, como também a comunidade internacional, levantando a discussão sobre Cultura do Estupro.

A polícia civil terminou, no dia 17 de junho, o inquérito do caso e indiciou sete homens, incluindo um menor e dois traficantes do Morro do Barão, onde ocorreu o crime.

É importante reconhecer que, com toda a cobertura do acontecido, quem foi exposto não foram os criminosos – pouco sabemos sobre eles -, mas, sim, a vítima do crime. De tudo se comentou sobre ela, informações que serviram para diversos julgamentos.

Se o caso se tratasse de um assalto, por exemplo, consideraríamos ridículo investigar o passado da vítima, dizer que ela merecia ser assaltada por algum fator de sua vida pessoal e falar que os assaltos existem porque tem muita gente descuidada na rua.

A culpabilização da vítima e a banalização do abuso, escancarados nesse caso, são pontos fundamentais da cultura do estupro. Mas nem sempre o abuso vem nesse formato tão claro e violento.

Enquanto muitos abominam o que aconteceu com a jovem de 16 anos do Rio, continua presente em nossa cultura e em todos nós a objetificação de mulheres e a negligência com a complexidade do tema. E é essa desumanização que faz com que existam abusos como piadas machistas, assédio sexual nas ruas e em ambientes de trabalho, estupros feitos dentro de casa pelos próprios maridos, namorados e pais das vitimas.

A ausência de debate e clareza faz com que as mulheres sejam divididas entre as que ficam dentro de casa (as recatadas), que são vistas como corretas, ditas “mulher para casar” e as “outras”. Estas, mulheres que trabalham, mulheres que vão para festas, mulheres públicas, são vistas como objetos sexuais à disposição dos homens, mas não são consideradas tão capazes como os homens.

É por causa dessa cultura que nós, meninas, temos que sair acompanhadas de um monte de amigos em festas, por medo de ficarmos sozinha, além de termos que fingir que estamos namorando, para fugir de homens que não conseguem aceitar que não fiquemos com eles a não ser que não pertençamos a outro homem. Por causa dessa cultura, nos forçamos a selecionar nossas roupas todo dia pra não correr o risco de sermos assediadas ou mal vistas.

Pode parecer também que esses abusos incisivos estejam distantes de nós, mas eles são vividos no nosso próprio meio escolar. Quando, por exemplo, se escolhe o tamanho da camiseta do Cotuca, perguntando se a ‘M’ não seria grande demais e se recebe a resposta: “depende da sua intenção”. Quando uma colega não consegue fazer um exercício do curso técnico e ouve do professor que ele só tinha dado aquele exercício a ela porque sabia que uma menina não conseguiria resolvê-lo. Quando outra colega descobre que não deveria ir à entrevista de monitoria de shorts e tem que procurar correndo uma calça.  

O abuso é tão frequente no nosso dia-a-dia, que aprendemos a naturalizá-lo. Por causa dessa naturalização, o termo “cultura do estupro” soa forte demais para nossos ouvidos. Mas o medo e intimidação constantes que moldam nossa vida apenas por sermos mulheres, a violência contra nossa liberdade, tem nome: estupro.

 

2 Comentários

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Laura Baptistaresponder
agosto 30, 2016 em 08:08 AM

Gostei muito do texto. O final foi excelente e arrepiante!!

Charge#1 – Conexão Cotucaresponder
janeiro 22, 2017 em 07:01 PM

[…] A charge feita por Marcelo Parra busca reproduzir a vida de muitas mulheres que sofrem com a Cultura do Estupro, fortemente presente em nossa sociedade. Sobre o tema, confira também o texto Cultura do estupro, escrito pela aluna Fernanda Sanches. […]

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