Problemas psicológicos dos alunos: é possível enfrentar essa questão?

O Cotuca é um dos melhores colégios da Região Metropolitana de Campinas e do estado de São Paulo, quando consideramos os resultados nas provas padronizadas, vestibulares e ENEM. Para manter esse nível de excelência, o colégio exige um desempenho de seus estudantes que costuma ser maior do que de muitas outras escolas. Porém, para alunos que nunca tiveram acesso a um ensino de qualidade antes do Cotuca, manter-se no colégio pode se tornar uma tarefa complicada. Os alunos lidam com intensa cobrança, uma agenda intensa de atividades curriculares e extracurriculares, pressão e resultados nem sempre positivos…

Além de bons docentes e alunos dedicados, que tipo de  suporte  deve existir aos alunos para que o colégio atinja a excelência respeitando a saúde mental dos alunos?

 

A pressão da excelência

Ao entrarmos no colégio, muitos de nós sofremos um baque ao recebermos os resultados das primeiras provas. Nos sentimos culpados por não conseguirmos ser os melhores da turma e a partir daí começa uma cobrança excessiva tanto da escola e dos familiares quanto de nós mesmos, que incansavelmente buscamos e somos cobrados por resultados de excelência. “Eu entrei no Cotuca sabendo que não seria fácil, que o colégio era difícil e que eu teria que me esforçar bastante, mas, com o passar dos anos, toda essa pressão foi se tornando um problema”, afirma Igor Rodrigues, aluno do Cotuca que cursa o 4º ano de Mecatrônica Noturno.

“Antigamente, eu tomava toda essa pressão da escola ou de alguns professores como uma motivação, porém hoje isso só me faz querer desistir e/ou agravar meus problemas. Eu acho interessante colocar uma pressão em cima dos alunos pra eles saírem da sua zona de conforto e perceberem que  precisam acordar pra vida pra não ir mal nas provas e no vestibular, mas cada um tem seu limite, chega uma hora que algumas pessoas não aguentam —  é muita coisa pra pensar, pra estudar, e mesmo assim continuam colocando pressão e não percebem que estão piorando a situação para alguns”.

Igor Rodrigues, 4º Mecatrônica Noturno.

Um estudo de 2010 do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE) apontou que o percentual de estudantes que se queixou de sofrimento psíquico foi de 47,7%. Entre estes, 29% procuraram atendimento psicológico, 9% procuraram atendimento psiquiátrico, 11% usaram ou estão usando medicação psiquiátrica e 10% procuraram atendimento psicopedagógico. Comparado a 2003, onde 36,9% dos estudantes relataram sofrer alguma dificuldade emocional, o estudo revelou um aumento preocupante.

Junto da cobrança excessiva da escola, nos deparamos com uma pressão interna para nos mostrarmos sempre ser “o/a melhor”, mas até que ponto essa competição é saudável? O espírito de competição é algo que sempre existiu em todos os seres vivos, porém ultimamente estamos vendo que esse “espírito” anda ultrapassando todos os limites, desde físicos, psíquicos e até mesmo éticos. No ambiente estudantil não seria diferente. Podemos observar os alunos buscando, de forma natural, sempre ser melhores que os outros, esquecendo de que somos pessoas diferentes e que cada um tem certa facilidade com alguma coisa. Não é porque o fulano tira 8 em física, que você precise tirar 9 para se mostrar melhor que ele. Temos facilidades diferentes, gostamos de áreas diferentes, e é normal alguns ser melhores que outros em certas coisas. Mariana Costa, aluna do 3º ano do curso de Alimentos, conta  sobre essa pressão: “Saí de um ensino totalmente diferente do Cotuca, a adaptação é bastante complicada. Era estranho pra mim não ir bem nas matérias que antes ia, assim como era estranho não ser um dos melhores da turma. Com isso, começou uma cobrança de mim mesma para ir bem nas matérias”.

Ao sairmos de um colégio que possui um sistema educacional onde os alunos não têm direito de escolha, entramos no Cotuca, que segue um padrão parecido com a graduação (visto que é um colégio da UNICAMP), onde o jovem encontra uma liberdade maior para decidir o que fazer em relação a sua vida acadêmica. O direito ao livre arbítrio dentro do colégio pode ser um grande facilitador para os alunos que enfrentam problemas psicológicos, visto que quando não se sentirem bem não serão obrigados a participar de nenhuma atividade ou de entrar nas aulas do dia.

“Eu usava a liberdade que tinha dentro do Cotuca como um escape dentre todo o estresse causado pelo mesmo”

Julia Fiorese, ex-aluna do Cotuca.

Ao mesmo tempo que essa liberdade é dada, somos cada vez mais cobrados para conseguir ir bem nas matérias e manter o status do colégio. A partir do momento em que a cobrança é excessiva, pode se tornar um grande complicador perder algumas aulas por conta do atraso nas matérias, pois ficamos com uma lacuna sobre o assunto ensinado e que talvez não seja tão fácil aprender sozinho mais tarde.

 

Os principais problemas enfrentados

De acordo com o psiquiatra do Centro de Saúde da Comunidade (CECOM) da Unicamp, Nilton Domingos Júnior, os transtornos mais presentes entre os alunos tendem a ser os quadros de ansiedade, fobia social, dificuldade para falar em público, transtornos alimentares (anorexia, bulimia), quadros depressivos leves a moderados, além dos transtornos associados ao uso de substâncias psicoativas (drogas).

fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0047-20852007000400001

De acordo com um Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), um em cada três adolescentes possuem algum tipo de Transtorno Mental Comum (TMC), a pesquisa não só mostra que 30% dos jovens possuem problemas psicológicos, mas também confirma que o diagnóstico piora à medida que as pessoas crescem.

 

Apesar das pesquisas indicarem, na maioria das vezes, um número maior de portadores de transtornos psicológicos em mulheres, o médico João Silvestre, em entrevista para EBC, diz que devemos tomar cuidado ao olhar as estatísticas já que o número é um tanto quanto distorcido por conta das mulheres buscarem mais ajuda. João afirma que “O sexo feminino apresentar uma maior possibilidade de transtorno mental está relacionado às mulheres terem facilidade em relatar queixas. Reconhece-se que as mulheres procuram os médicos com mais facilidade, elas têm uma maior preocupação com a saúde do que os homens”.

 

O que fazer diante da pressão e das crises?

Aos que estão sofrendo a pressão e a dificuldade em gerenciar os estudos, há dicas iniciais que podem ajudar, antes que o problema evolua para crises graves. O psiquiatra Nilton, do CECOM/UNICAMP, deu algumas dicas para que seja possível manter o controle da vida estudantil, evitando ao máximo possível as crises: “Uma dica é montar um calendário de estudo diário, mesmo que as provas estejam longe. Isso facilita muito. Tem que ter disciplina e paciência”, diz ele.

“Quanto ao “gostar” da matéria, não tem jeito: é assim mesmo. Algumas matérias gostamos mais, outras menos, outras detestamos. Mas precisam ser superadas. Tem que pensar que é um fase, é um período transitório. É como na vida: não podemos fazer apenas aquilo que gostamos. Os obstáculos e problemas são diários, não tem como fugir. Aliás, isso só adia o problema, pois depois vem aquela sensação de culpa e fracasso. Então a dica é enfrentar, criar uma disciplina de estudo, pedir ajuda para quem tem mais facilidade com tal assunto… Não precisa resolver tudo sozinho.”, afirma.

“Outra coisa importante é evitar fazer tantas atividades ao mesmo tempo. Ninguém é máquina. Tentar se programar para dormir bem, descansar. Manter uma alimentação equilibrada. Se possível, praticar alguma atividade física que seja prazerosa e manter uma vida social adequada: sair com amigos, namorados ou namoradas e familiares”

Nilton Domingos Jr., psiquiatra do CECOM

O SOE tomou frente para organizar um projeto denominado “Conversas sobre Estudar”, que teve início no dia 23/08/2017. Esse projeto tem como intuito instruir e ajudar os alunos que, de certa forma, têm dificuldades quando o assunto é “estudar”. São realizadas Rodas de Conversas que ocorrem quinzenalmente, intercaladas por Oficinas, onde os alunos podem aprofundar e exercitar os temas abordados nas conversas. Os horários oferecidos são: Quarta-Feira, das 12h50 às 13h50, e Quinta-Feira, das 17h50 às 18h50. Além de dicas para estudos, o projeto também prevê uma Roda de Conversa sobre como lidar com a ansiedade frente às provas, tendo, logo depois, uma oficina com técnicas para respiração e o controle da ansiedade dos alunos. 

 

E como o Cotuca trata os problemas psicológicos dos alunos?

Essas dicas podem ajudar em momentos mais estáveis ou para quem ainda não está com crises. Para casos mais graves, que demandam acolhimento e auxílio, para os alunos do Cotuca, é possível procurar ajuda em dois lugares: o SOE (Sistema de Orientação Educacional) e o CECOM (Centro de Saúde da Comunidade). Porém, a UNICAMP conta com outros serviços como o SAPPE (Serviço de Apoio Psicológico e Psiquiátrico ao Estudante) e o GRAPEME (Grupo de Apoio aos Estudantes de Graduação em Medicina, Fonoaudiologia e Residentes), que atende exclusivamente graduandos da área médica.

Julia Fiorese conta que o SOE a procurou, em seu primeiro ano do colégio, para conversar sobre as notas, mas que ela só buscou ajuda algum tempo depois: “no segundo ano, o SOE, em especial a Neila, me ajudou desde o comecinho. Aconselhou-me a procurar o CECOM e me explicou tudo sobre, recebi um apoio enorme”. Julia afirma que teve uma ótima experiência com SOE, mas que, muitas vezes, o colégio passa uma imagem de ser extremamente “frio”, e que infelizmente muitos colegas que foram procurar ajuda lá não tiveram uma boa experiência.

Esse é o caso relatado por Mariana Costa que, ao buscar ajuda no SOE para conversar sobre sua situação psicológica, comentou sobre sua vontade de desistir do colégio. “A orientadora meio que apoiou [a desistência]. Assim que sai da sala dela, cogitava mais ainda a hipótese de desistir do colégio”. Na avaliação dessa aluna, o Sistema de Orientação Educacional da escola é falho: “Quando eu procurei o SOE, não me senti tão bem contando o que estava acontecendo comigo. Existem vários alunos que precisam e a escola nem sabe. Se fossem procurando de sala em sala, acredito que encontrariam vários alunos que deviam fazer acompanhamento com um profissional”.

Franciele Mendes, aluna do 5º ano de Mecatrônica Noturno, também não teve uma experiência agradável: “procurei o SOE uma única vez, disse a eles o que estava acontecendo e eles me disseram que se eu não aguentava, talvez fosse melhor me formar em outro Colégio”. Ela conta que a partir daí começou um tratamento psicológico numa clínica conveniada: “não queria passar por nenhum médico que estivesse associado ao Cotuca de alguma forma”, tamanha a sua desconfiança após o primeiro contato.

Neila Nucci, uma das Orientadoras do SOE, afirma que não é possível fazer atendimento psicológico em si na escola. Ela explica: “não é o ambiente adequado. Na terapia psicológica há necessidade de um ambiente silencioso, sem interferências, onde o sigilo esteja garantido e nada disso é viável dentro da escola”. Ela complementa, explicando que a função do SOE  é ouvir, acolher, orientar, aconselhar e, se for necessário, encaminhar para terapia fora da escola.  

O CECOM tem um serviço de Saúde Mental composto por três psiquiatras e três psicólogas, que oferece atendimento aos docentes, funcionários, estagiários, aprimorandos, aposentados, alunos do COTUCA, COTIL e estrangeiros. Nilton nos explica que “no CECOM não existe “lista de espera”. Quem buscar atendimento, será avaliado pelo Acolhimento de Saúde Mental e, após identificação de urgência e gravidade, será feito o encaminhamento adequado para tratamento psiquiátrico, psicológico ou ambos”. Casos mais leves tendem a demorar mais para serem avaliados, pois a demanda de atendimentos na Saúde Mental é alta, tem crescido ano a ano, sem aumento da equipe para compensar.

Em ambos os setores, SOE e CECOM, há registros de um aumento na demanda por um acompanhamento especializado. Segundo Nilton (CECOM), “uma procura mais evidente por parte dos alunos. Acreditamos que o assunto “saúde mental” está sendo tratado com mais seriedade, sem tantos estigmas e preconceitos e isso tem permitido que as pessoas consigam expor seus problemas emocionais sem tanto medo de serem julgadas como ‘loucas’ ou ‘problemáticas’”. Para Neila (SOE), “os jovens de hoje são mais abertos para a terapia , entendem que às vezes precisamos de ajuda e que isso não quer dizer que somos “loucos” ou fracos”.

 

Os serviços de apoio devem melhorar

Com esse aumento significativo na procura e sem o aumento da equipe do CECOM para suprir os atendimentos, infelizmente muitos alunos acabam não sendo atendidos ou desistem por conta da demora. “Ao procurar o CECOM o processo foi demorado, levou mais ou menos um mês para conseguir ser atendido pelo clínico geral, onde ele me encaminhou para os médicos específicos. Esse encaminhamento para o psicólogo tinha a primeira parte, que seria o acolhimento que só consegui marcar quase dois meses depois, mas não é somente o psicólogo que é demorado, teve outros serviços que procurei que eles não conseguiram marcar por não ter horário pelos próximos 8 meses a 1 ano”, diz Igor. 

Em conversa com os alunos, muitos deixaram suas sugestões para melhoria do atendimento psicológico dos mesmos dentro da própria escola:

“Dar foco e atenção a saúde mental dos alunos e fazer algo sobre isso, ao invés de fingir que o problema é normal e o estresse não é excessivo, ouvir dos alunos como a escola os afeta negativamente e buscar sugestões para a melhoria é um ótimo começo”

Julia Fiorese, ex-aluna do COTUCA.

“Nós alunos devíamos ter acompanhamento com profissionais disponíveis na própria escola, assim, no almoço e em janelas, os alunos poderiam procurar a esse serviço”

Mariana Costa, 3º Alimentos.

“Instruir os professores para que eles estejam ali para ajudar os alunos e para que os mesmos se sintam confortável para falar o que está acontecendo sem medo de ser prejudicado pelo professor”

Igor Rodrigues, 4º Mecatrônica Noturno.

“É necessário um acolhimento maior no primeiro ano, acredito que o que acontece no primeiro ano, molda você e deixa marcas para os próximos. Explicar a eles que não é a sua primeira nota em matemática que define toda a sua vida, criar um ambiente mais confortável já que vão passar uma fase inteira das suas vidas ali”

Franciele Mendes, 5º Mecatrônica Noturno

E você, sofre com a pressão do colégio? Já procurou ajuda? Tem alguma sugestão para o apoio por parte do Colégio e da Unicamp? Conte-nos nos comentários!

1 Comentário

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Maria Luízaresponder
setembro 22, 2017 em 07:09 PM

Que texto sensacional! É muito real tudo o que está descrito. Espero que os professores, principalmente, possam entender através dele o que passamos e assim nos ajudem, também!

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