Para pensar ensino e avaliação:

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, Paulo Freire.

Muitas vezes ouvimos que “a função do professor é ensinar” e “a função do aluno é aprender”, como se essas duas ações não estivessem ligadas. Aprender e ensinar não são situações independentes, só acontecem pela interligação entre pessoas (professores e alunos) e métodos utilizados. O educador Paulo Freire, um dos maiores nomes da área no Brasil e no mundo, afirmava que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro”. Ou seja, não se aprende sem iniciativa do estudante, mas não se ensina, de forma eficiente, sem empenho do professor.

Para a pedagoga Fabiana Colombo Garzella, os processos de ensinar e aprender não são separados. Cabe ao aluno se esforçar e buscar aprender, mas também, e principalmente, cabe ao professor ensinar de forma a entender as dificuldades do aluno, fazendo com que aprender não seja uma tarefa desagradável. Ela é autora da tese de doutorado da Faculdade de Educação da Unicamp  “A disciplina de Cálculo I: a análise das relações entre as práticas pedagógicas do professor e seus impactos nos alunos”. Fabiana analisou (e criticou) o impacto das práticas pedagógicas adotadas por docentes da disciplina de Cálculo I, que possui taxas de 75% de reprovação, apesar de variarem de professor para professor.

Para Fabiana, diversos fatores interferem na vida estudantil do aluno, alguns como mudança de ambiente, convivência com pessoas diferentes, e a diferença dos assuntos estudados, por exemplo. Mas, de forma específica, ela aponta fatores como turmas muito grandes, rigidez e inflexibilidade do planejamento docente como fatores de destaque na análise do insucesso. Para a redação do Jornal da Unicamp, a pedagoga afirmou que “é possível assumir que o sucesso do aluno na aprendizagem dos conteúdos de Cálculo I depende, em grande parte, da qualidade da mediação desenvolvida em sala de aula pelo professor”.

No Cotuca, vivemos situações semelhantes à analisada por Fabiana. Alunos de todos os cursos enfrentam dificuldades como muita cobrança o tempo todo: relatórios, provas, comportamento. É um grau de exigência bastante alto, alguns professores entendem e nos ajudam, porém outros acham que é problema apenas dos alunos. Achamos que na verdade somos nós que não estamos nos esforçando, mas como podemos dizer isso, se a biblioteca está sempre cheia todos os dias, reivindicamos locais de estudo como a tenda, fazemos atividades por toda a escola, temos presença intensa nas monitorias?

Várias vezes, os estudantes enviaram cartas à direção de ensino, coordenação pedagógica e para o SOE. Tendo contato com algumas dessas manifestações, vemos que há pontos como falta de comunicação entre os professores, falta de coerência entre aulas e provas, indisposição por parte de professores ao dar aula, entre outros, que não são solucionados pelo colégio.

A importância da posição da escola na sociedade muitas vezes dificulta nossas críticas a ela. Se considerarmos que a forma como nosso sistema de ensino acontece não é perfeita e que podem nele ocorrer melhorias, as críticas e constantes reavaliações dos processos de ensino são imprescindíveis.

Às vezes, nos parece que muitos professores não enxergam na sua função o papel de ensinar ao aluno os conteúdos com o objetivo de que isso faça parte da vida dele. Parece que o ato de ensinar tem se limitado, em alguns casos, à função de nos preparar para as provas de vestibular, ou ainda, apenas para as provas da própria disciplina, atolando os alunos com inúmeros exercícios, que só podem ser feitos deixando de lado outras coisas também importantes. Não que se preparar para uma prova não seja importante, uma vez que ela existe e faz parte do método de ensino, mas a prova é a melhor forma de avaliar o aluno?  Na maior parte das vezes, estudamos com o mero objetivo de ir bem em uma avaliação, quando era preciso que a educação fosse além disso e que os estudantes e professores entendesse a importância dela na formação do mundo.

Original (em inglês): WCPO

Retomando a epígrafe deste texto, se o importante é criar as condições para a produção do conhecimento, é preciso perguntar se o aluno tem sido protagonista desse processo no nosso colégio. Será que as metodologias de aula e de avaliação estão valorizando o processo de envolvimento do aluno, ou só buscando a realização de testes padronizados?  Qual a preocupação do colégio com o planejamento das atividades escolares, como a semana de provas? Como os professores buscam aperfeiçoar seus métodos de ensino? Como a escola (a direção de ensino, a coordenação pedagógica…) reage diante das reivindicações dos alunos? Qual o papel do Serviço de Orientação Escolar em todas essas questões?

Há, então, como melhorar o processo de ensino e aprendizagem no colégio? Se os resultados positivos podem estimular os alunos a continuarem se esforçando, os resultados contrários, reprovações e estímulos negativos não estariam gerando desmotivação e desinteresse em muitos alunos?

Para que o Cotuca não pare no tempo, é preciso saber se os alunos estão satisfeitos no colégio, o que nós sentimos dentro desse sistema escolar.

Ao concordar com Paulo Freire, vale a pena pensarmos sobre qual é a metodologia de ensino da nossa escola. Será que essa visão de ensinar como “transferir conhecimento” é predominante no Cotuca?

As diferenças entre os alunos e o capital cultural

Ensinar não é transmitir o conteúdo da matéria da mesma forma a todos. Por mais que pareça estranho dizer, é bom lembrar que alunos não são todos iguais, eles vêm de lugares diferentes, onde viveram diferentes situações. Não é justo tratar o capital cultural de cada um como se fossem todos iguais.

Capital cultural é o que cada aluno traz de cultura “acumulada” (normalmente da família) entre aquilo que é valorizado pela cultura escolar: leituras, referências, música, arte, vocabulário, conhecimentos científicos, a própria valorização dos conhecimentos escolares e da escrita, por exemplo.

O sociólogo Pierre Bourdieu desenvolveu estudos sobre esse assunto e diz que a falta de capital cultural é responsável pela dificuldade na hora de aprender, uma vez que a escola cobra alguns conteúdos que principalmente as classes mais altas têm mais facilidade de alcançar. Se alguns dos alunos têm mais facilidade com algumas matérias por conta de experiências que tiveram fora da sala de aula ou antes do Cotuca, o ensino e a avaliação não devem se basear apenas nesses aprendizados, já que nem todos tiveram as mesmas oportunidades.

O melhor seria aceitar o fato de que, embora os alunos já tenham algum conhecimento prévio, cabe à instituição, neste caso, especificamente ao professor, criar as condições para que o aprendizado aconteça.

O Cotuca não é uma escola onde os alunos são preguiçosos! Se cabe aos docentes aproveitar essa qualidade, é importante que não haja  abusos e que se considere as diferentes bagagens dos alunos.

10 Comentários

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Natan Carvalhoresponder
abril 16, 2016 em 11:04 AM

Para se aplaudir de pé. Muito bom seu texto, Júlia!

Leonardoresponder
abril 16, 2016 em 10:04 PM

O texto está espetacular! Parabéns Julia!!!

Mayra Fernandaresponder
abril 18, 2016 em 08:04 AM

Acho que seu texto representa o início de nossas reivindicações nessa escola.
Já está mais que na hora de sermos ouvidos.
Parabéns, Júlia.

Editorial – 3ª edição – Conexão Cotucaresponder
abril 18, 2016 em 02:04 PM

[…] na busca de palavras responsáveis que exprimissem sentimentos e desejos, provocando uma discussão importante sobre educação no contexto do colégio, do ponto de vista de suas […]

Jaqueline Nevesresponder
abril 18, 2016 em 06:04 PM

Falar sobre esse tema foi algo muito importante (posso até dizer que revolucionário). Vejo como um dos maiores problemas do cotuca, e foi muito bem abordado.
Parabéns pelo texto e pelo conteúdo!

Paulo Pacittiresponder
abril 18, 2016 em 09:04 PM

Texto excelente. Cabe muito bem ao contexto do nosso colégio, onde a voz do aluno é pouco ouvida.

Fernanda Ulbrichresponder
abril 19, 2016 em 12:04 PM

Assunto importante que exige reflexões profundas para que haja a possibilidade de discussões com humildade e coerência! Parabéns pelo texto Júlia.

Gustavo Arrudaresponder
abril 19, 2016 em 03:04 PM

Finalmente esse grito saiu da garganta. Parabéns a autora do texto.

Thamiresresponder
abril 19, 2016 em 08:04 PM

Por mais textos assim ! Parabéns a todos os envolvidos, utilizaram as melhores expressões possíveis para as situações. (:

Ana Carolinaresponder
abril 20, 2016 em 10:04 PM

tirou o grito da garganta de muuuuuita gente!

como vc diz, “como a escola (a direção de ensino, a coordenação pedagógica…) reage diante das reivindicações dos alunos? Qual o papel do Serviço de Orientação Escolar em todas essas questões?”

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